sábado, 29 de agosto de 2015

SUA POESIA É SUA por Marcelino Freire

"Só existe um livro no mundo. Dizem. Os outros livros vêm sempre em segundo. São cópias desse primeiro livro. Tudo está, na verdade, sendo eternamente reescrito. Ave nossa! Certo. Eu entendo. Mas penso. A poesia, por exemplo, de Augusto dos Anjos é dele. Unicamente. Sim. Mesmo filho e herdeiro de leituras parnasianas, simbolistas. Somente ele, ora, lançou o olhar para uma dicção específica. Digo: focou ele seu espírito em uma língua paralítica. Maldita. Inaugurou, no Brasil, um repertório original. Raivosamente lírico. Meu Cristo! Como não dizer, a saber, que aquilo que escreveu Guimarães Rosa foi ele mesmo quem escreveu? E para valer? Foi a fala dele que se abasteceu do verbo do povo, do gesto do jagunço, do léxico dos Sertões. Claro que o autor mineiro bebeu na fonte de Euclides da Cunha. E na de gente mais antiga nesse mundo. Há testemunhas. Mas Rosa é dono do que fez. Ora, sem dúvida. Mergulhou profundo em várias culturas que ele, só ele, pôde traduzir. E fazer uso sem limite, enfim. E mais não digo. Mas pergunto. Meu amigo e minha amiga: e sua poesia como anda? Diz-me, ao pé do ouvido. Sua poesia é sua, de verdade? Você está consciente dos voos que dá na página? Do espaço que ocupa com cada palavra? Dos verbos que escolhe? Tem lido bastante, meu jovem, minha jovem? Quais poetas costuma visitar? Já roubou quem hoje? Se roubou, o que pôs, então, no lugar? Reexplico: tudo é seu quando você sabe o que está fazendo. Quando há intensidade na sua entrega. Quando você carrega, feito formiga, um pouco de cada coisa por aí espalhada. De cada obra que leva para casa, você bem sabe o nome. É capaz de reconhecer o sinal. De que maneira, visceral, a poesia do outro tocou no seu peito. Não tem jeito. Somos feitos do que foi feito. E agradecemos, quando escrevemos, a quem nos ajudou nessa busca. Infinita. Por uma voz só nossa. Um jeito só nosso. E de mais ninguém. De estar na vida. De sentir quando a alma de nossa arte segue. Além." (Marcelino Freire)

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

(?)

  tenho uma Professora que diz que pra aprender temos que saber fazer as perguntas certas. e o P maiúsculo alí não foi colocado por acaso (de tão gigante, essa Professorinha de um metro e meio se tornou um voz constante na minha consciência). penso que concordo: o verdadeiro conhecimento - aquele que não é só bonitinho pra pendurar na parede, mas que a gente constrói - só pode se formar a partir uma boa coleção de indagações. e mais: essa Professora, pasmem, de fato escuta as perguntas que seus alunos lhe fazem. e reflete antes de responder (um verdadeiro fenômeno na academia). e responde, muitas vezes com outra pergunta, como não poderia deixar de ser. 
  mas esse papo dela, percebi, significou para mim mais do que um gênesis intelectual. é meio que o começo de tudo, sabe como?

No princípio criou D'us o ponto de interrogação (agora, meus filhos, façam dele o que quiserem).

 e aí já ouço uma penca de sujeitos práticos e bem resolvidos, tão fálicos como um ponto de exclamação, dizendo que isso tudo é uma masturbação mental sem sentido e sem fim. ou pós-modernismos relativistas alternativos. talvez eles tenham razão.
  a bem da verdade, deixo eles terem toda a razão. aliás, fiquem com a verdade, esse infinito dom de iludir. ela é toda sua. prefiro não saber e seguir matutando. já disse uma vez uma moça muito sábia: se existe um mal absoluto ele está justamente nas mãos dos que defendem um bem absoluto.  o meu bem? não é absoluto. nem sei se é um bem. saber se perguntar, creio eu, é um mal inenarrável. uma coisa de querer botar as tripas pra fora pra dar uma olhada. só pra ver que lá dentro estão guardadas mais e mais interrogações.