tag:blogger.com,1999:blog-45301550377490633262024-03-18T21:21:37.325-07:00O Resgate do Soldado FeldmanMarina Feldman, fugitiva da selva de pedra de Curitiba, tenta a sorte nazaméricas.Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.comBlogger62125tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-7322741981585393632018-11-01T08:26:00.000-07:002018-11-01T08:26:16.233-07:00O diário da verdadeira ressaca<div class="MsoNormal">
6 de
outubro</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Eu acordo em uma ressaca meio nebulosa e demoro
pra lembrar que fim de semana é esse. Então lembro de todas as pessoas que em
algum momento me disseram que ele não tinha chance. Penso no menino que a um
mês atrás me falou que ele não ia nem pro segundo turno. Eu não botei fé no
menino, ainda que quisesse muito. Eu espero que você teja certo, disse. No
fundo eu estava invejando a ingenuidade que trazia disfarçada de pragmatismo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Eu sabia que ele tinha chances. Já sentia a
forca do discurso dele desde muito antes, talvez porque soubesse como discursos
com verdades absolutas são mobilizantes. Algo se aprende falando sobre
Holocausto por dois anos todas as semanas. Mas eu ainda não quero acreditar em
mim mesma – prefiro pensar que vai dar tudo certo, que não vamos ter um governo
autoritário nesse país outra vez. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR">7 de
outubro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Acho difícil acreditar que a oito anos atrás eu
estava anulando meu voto. Porque hoje eu voltei a fumar por causa da eleição.
Eu pedalo até a cidade vizinha, pra encontrar uns colegas e ensaiar uma
apresentação que faremos durante a semana. Eles são ótimos e entendem quando
digo que estou um pouco aérea. Aceitam quando fico no celular durante todo o
ensaio – eles já sabem que estou apavorada com as eleições no Brasil. O que
talvez não entendam é a angustia que sinto em estar distante. Eu não estou apenas
ansiosa para descobrir o resultado de algo que está além do meu controle. Sinto
um tanto de culpa também: eu devia estar votando, eu devia estar lutando. Eu não
estou onde deveria estar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">8 de outubro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Eu acordo com uma ressaca diferente, que nenhum
álcool antes me deu. A única sensação similar foi a quatro anos atrás, dois dias
depois que presidenta Dilma foi reeleita. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Eu estava fazendo campanha – não queria que Aécio
fosse eleito, achava que perderíamos direitos conquistados (porque mal sabia o
que vinha pela frente). No dia da vitória eleitoral eu sai na rua pra comemorar
e fiquei incomodada: meus amigos gritavam Chupa Tucanada para os moradores de
prédios no centro que nos vaiavam. Perto do carro de som, as pessoas cantavam
musiquinhas com Aecio Cheirador. Eu só pensava que tinha algo de errado com
essa forma de fazer política, mas estava feliz. Tínhamos ganhado em uma vitória
apertada. No dia seguinte disse para minha professora Ganhamos. Ela disse que
não, que era mais complicado que isso – tem gente que simplesmente sabe. Eu sai
da aula e fui pra acupuntura, onde passei 30 minutos ouvindo meu médico e suas
pacientes discutindo o absurdo e a ignorância dessa gente que ainda vota no PT.
Minha dor de cabeça encravava no meio da testa enquanto eu me encolhia na
cadeira e queria muito fugir. No dia seguinte acordei com uma ressaca parecida
com a de hoje. Talvez aquela ressaca de quatro anos atrás fosse um sinal dos
tempos que estavam chegando. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">9 de outubro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Sigo triste, mas menos angustiada – parece que
não vai ter jeito mesmo. Deve ser também porque me sinto desacorçoada de ter
que lidar com algo assim tão grande à distância. Eu sinto dor por estar
distante com frequência, mas acho que isso consegue ser pior do que ver minha
sobrinha aprender a andar por fotografias. Eu não sei o que estou fazendo aqui,
não numa hora como essa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">14 de outubro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Depois de uma semana de desalento e cigarro, eu
amorteço. Sei que não vou conseguir fazer minha parte de onde estou – nem sei
qual seria minha parte afinal ou se a fazia quando estava em casa. Sigo
acompanhando as notícias, cada uma delas me dói, mas nenhuma me derruba. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">15 de outubro <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Meu professor fala de um autor que compara a
ascensão de Hitler com a ascensão de Trump, eu penso que o caso do Brasil é
ainda mais terrivelmente similar. A inquietação acorda em mim. Tenho vontade de
traduzir aquele texto, fazer todo mundo que conheço ler. Se vocês querem fazer
isso, pelo menos saibam o que estão
fazendo. Mas ao mesmo tempo, eu sei que nada do que eu escreva vai fazer
diferença. A última tentativa só serviu pra reforçar as convicções de alguns
amigos e receber comentários irônicos de um ex-colega. Eu estava determinada a
estabelecer dialogo e tentei começar uma conversa, perguntar sobre os filhos
dele, saber se ele queria conversar sobre política. Ele nunca respondeu. Um conhecido
começou uma conversa interessante comigo, uma conversa política de verdade, que
serviu pra gente entender que podemos concordar mesmo discordando. Mas nesse
momento, sinto que isso não basta. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">25 de outubro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Eu vejo um tanto de pessoas fazendo campanhas
virtuais contra o que vem. Alguns amigos que nunca foram tanto de falar em política,
algumas alunas que tive e que nunca soube que se importassem com essas coisas.
Eu acho bonito de ver e tento dar minha contribuiçãozinha, mais por desencargo
de consciência que outra coisa. Eu sinto que nada do que eu faca nesse momento
vai mudar o voto de ninguém. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">26 de outubro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">A onda de otimismo no meu Instagram me dá um
leve ar fresco. Eu volto a pensar na eleição constantemente, mas dessa vez com
uma nota de otimismo da vontade. Mas quando meus amigos aqui perguntam o que
acho que vai acontecer, o pessimismo da razão fala mais alto. Ainda acho que
não vai ter jeito, mesmo tendo feito nessa vida a escolha política de ser uma
otimista inveterada. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">27 de outubro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">A nesga de otimismo se junta com um sopro de ar
fresco que recebo por aqui. Por um dia minha vida aqui é boa o suficiente pra
me fazer pensar no Brasil um quase nada. E quando penso, penso com alegria e
saudade da boa. Aquela calma que vem antes da tempestade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">28 de outubro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Eu acordo ansiosa, mas parece que positiva. Não
sei muito bem dizer, acho que tô de ressaca. Ressaca alcoólica, não política dessa
vez. Decido ir fazer a lavanderia do mês – por algum motivo, olhar minhas
roupas girando no meio de toda aquela gente falando espanhol no meu laundromat
me relaxa. Troco mensagens com meus amigos no Brasil. Estou otimista, mas não iludido,
ele diz. Estou preocupada, ela diz. São tempos sombrios, vejo alguém dizer. Mas
quase todos os meus amigos estão postando mensagens otimistas. Eu sinto que ninguém
acredita mas todos querem muito acreditar. Otimismo da vontade, é o que resta. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Eventualmente lavar a roupa e fazer faxina
terminam tirando minha cabeça das eleições. Deixo a apuração aberta em um canto
do meu computador, mas só lembro de olhar quando meu roomate me diz que o Pará votou
no PT. É claro que o Pará votou no PT, mas e o resto. Abro a tela da apuração e
vejo a tarja ELEITO. O resultado me surpreende positivamente: eu já sabia que o
pior ia acontecer, mas em cima da hora quase metade do Brasil entendeu que era
o pior. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Pena que quase metade não é o suficiente. Não estou
surpresa, mas frustrada. Não tenho raiva, mas tampouco tenho vontade de
dialogar com aquele conhecido educado que votou pra isso acontecer. Não tenho
energia para lidar com isso. Quero me fechar na concha, como quis aquele dia
depois da acupuntura quando a dor de cabeça milenar da richa política me encravou
na testa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Mas antes de desconectar todos os meus gadgets,
abro o Instagram. Ele está repleto de mensagens de esperança, apoio, resistência.
Absolutamente inundado de Ninguém Solta a Mão de Ninguém. Sinto vontade de
chorar, mas por amor e não por dor. Somos todos amados, armados ou não.
Existiremos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR">29 de
outubro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Eu pedalo até a universidade e penso na história
de Instagram que acabei de ver. Um menino que foi votar cantando Vai Dar PT na
sua bicicleta e depois vestiu uma camisa do Brasil para entrevistar eleitores do
outo lado. Minha primeira reação foi achar aquilo subversivo e gracioso. Mas
começo a pedalar e me dá um medo. Fico pensando se ele está bem, se alguém reconheceu
ele no seu disfarce, se ele foi agredido. Muito medo, e muita dor por sentir
esse medo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Desço da bicicleta e escrevo para o menino que
se infiltrou do outro lado. Não faça isso sozinho, se cuide. Percebo que a
parte de mim que mais vai sofrer nos próximos quatro anos é meu instinto
maternal – aquele desejo de cuidar de todos e saber que estão bem o tempo todo.
Minha vontade é voltar para o Brasil agora. Também porque quero protestar,
resistir. Mas principalmente porque quero acompanhar meus amigos até em casa
depois do protesto, ter certeza de que chegaram bem. Saber que as migues todas
entraram no Uber em segurança depois da balada e saber que chegaram em casa em
paz. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Não vou poder fazer isso. Não vou ser capaz de
proteger quem amo, não vou estar lá pra lutar pela terra e pelo povo que amo. Me
resta estar presente na ausência, se é que isso faz sentido. Estremecer a cada notícia,
falsa ou verdadeira, sobre linchamentos, agressões, ataques a tudo aquilo que é
desviante. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR">Chego na universidade com o coração na garganta.
Os amigos se importam e perguntam, os colegas querem saber como estou. A única ausência
é que as pessoas aqui não sabem abraçar. Numa hora dessa a doçura sem o abraço não
tem muita serventia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin-left: 0in; mso-add-space: auto; mso-list: none; text-indent: 0in;">
<span lang="PT-BR">Quero
prestar atenção na aula. Sei que o que meu professor de teoria política está
falando ajuda a entender meu país agora, mas me perco. O problema é também que
quando presto atenção e processo as informações, me dá vontade de chorar. Tudo
fala sobre o Brasil, sobre o dia de ontem. Sobre esse dia de amanhã que dá
tanto medo. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR"><br />
<o:p></o:p></span></div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-45078481242446769432018-10-14T15:18:00.000-07:002018-10-14T15:18:26.198-07:00àqueles que cresceram comigo <div style="text-align: justify;">
estar longe do Brasil é uma experiencia carregada de dor e amor pra mim. tem sido assim desde que sai a primeira vez, em setembro do ano passado - ainda que em alguns momentos eu esteja mais consciente disso. mas o peito carregado de saudades constantes é muito diferente do que senti na última semana. nada doi mais do que ver seres humanos com sua existência em risco ao mesmo tempo que vejo pessoas com quem cresci escolhendo colocá-los em risco. em nome da economia ou de se livrar do inimigo politico. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
já faz um tempo, imagino, que eu me tornei o inimigo para estas pessoas. nunca quis que isso acontecesse, mas talvez não exercitei o diálogo suficientemente para evitá-lo. por outro lado, precisava seguir existindo, sendo fiel ao que sou. e meu corpo político pode gerar as mais diversas reações, entre elas intimidar o outro, impedí-lo de dialogar comigo. sinto um misto de culpa, dor, desesperança, medo e cansaço. mais que tudo, sitno desejo fazer algo, vontade de estar no Brasil.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
queria poder olhar nos olhos daqueles que visitaram campos de concentração comigo e agora aplaudem ou ignoram discursos facistas. aqueles que foram educados, melhor do que ninguém, sobre os riscos de deixar a violência acontecer, de autorizar a opressão da alteridade. os mesmos que nao exitaram em colocar o rotulo de petralha em mim e meus amigos e nos mandar de volta para Cuba - simplesmente porque defendemos redistribuicao de renda e eles defendem crescer a bolo antes de dividir os pedaços. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
eu acredito na divisão justa antes, durante, e depois do crescimento e gasto meus dias estudando pra te provar que esse é o caminho. mas posso entender, aceitar, dialogar com sua crença num crescimento que precisa vir antes. só não posso, nem nunca vou aceitar que voce coloque isso acima da dignidade humana, dos direitos das mulheres, das comunidades, da populacao pobre. que voce passe por cima de suasticas tatuadas na barriga, garrafadas no pescoco, linchamentos, apologia ao estupro, racismo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
quando eu trabalhava no museu do holocausto, enchia a boca para falar sobre Heinrich Heine - o sujeito que viu livros sendo queimados na Alemanha e avisou que o pais terminaria queimando pessoas. eu fazia isso semanalmente com todo o orgulho do meu trabalho e da minha comunidade que o permitia acontecer. mas meu orgulho virou vergonha e questionamento profundo da comunidade que me fez quem eu sou. porque agora vejo que pessoas com quem cresci nao entenderam nada. em nome da economia e do fim dos vermelhos, elas sao capazes de deixar queimar os livros. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
e do fundo do meu coracao, nao desejo que ninguem precise se arrepender no futuro. porque quero sempre o melhor para o Brasil e os seres humanos que nele habitam. desejo amor, tranquilidade e um prato cheio de comida para todas as pessoas, independente de suas opcoes eleitorais. para aqueles que cresceram comigo, nao temo pela falta de pratos de comida. talvez pela tranquilidade, de ver a violencia autorizada pelo seu voto. e quanto ao amor, faz tempo que nao sei por onde anda. se encontrarem, me avisem. </div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-53256225466981794872018-05-02T19:41:00.000-07:002018-05-02T19:41:57.601-07:00por que eu senti tesao vendo "eu nao sou um homem facil"sim, gente, vamos conversar sobre tesao. escrevo isso e ja fico ouvindo vozes dizendo: mas que horror, que vulgaridade. ficar falando de putaria assim publicamente. mas nao eh bem isso. quando eu falo de tesao, estou falando de ver -no meu caso- um homem e desejar ele com muita intensidade. e isso passa pelo corpo, claro.<br />
<br />
<div style="text-align: center;">
<i>-convenhamos, tudo passa. mesmo que tentemos nos convencer que somos cerebros racionais que independem do receptaculo que os carrega-</i></div>
<br />
mas falo de uma experiencia que transcende o corpo. como na vez que mais senti tesao por um homem. ele me falava da sua experiencia lendo mulheres que correm com lobos e entendendo melhor seu proprio lado feminino. e eu pensando: eu poderia agarrar essa pessoa agora. ta bom que eh um experiencia bem minha - eu desejava ele porque ele dialogava com alguns dos meus desejos mais profundos. podiam ser outros, a depender do menu de desejos profundos de cada um. em todo caso, passei a entender tesao como algo meio antropofagico. um desejo de engolir a pessoa para absorver o que tem de mais bonito.<br />
<br />
pois bem, entao fui assistir esse filme. "eu nao sao um homem facil" eh uma especie de utopia <i>femista</i>. nao feminista, <i>femista</i>. o personagem principal eh um homem desses, que voce manda enquadrar para pintar um retrato da masculinidade. um dia ele bate a cabeca e desperta em um mundo onde as mulheres exercem o exato papel que os homens tem hoje. assediam, diminuem, chamam os homens de loucos - especialmente aqueles que se atrevem a fazer afirmacoes de poder.<br />
<br />
ai voce ja pensa: vix, virou <i>radical</i>. ta toda <i>femista</i>. <i>feminazi</i>. acha bonito oprimir oz home tudo. mas peor que nao, migues. a utopia femista nao mexeu com meu coracao, apesar de ser muito engracadinha. nao da pra nao rir da inversao. dificil nao rir quando aquilo que te faz chorar aparece ao reves em um mundo imaginario. mas isso nao me da tesao, nao dialoga com meus desejos. nao sinto tesao em opressao.<br />
<br />
<u>porem, entretanto, contudo, todavia</u><i>... </i>existe um romancezinho entre o protagonista e uma mulher que representa no mundo femista o que ele representava no nosso. a <i>comedora</i>. e nesse encontro de <i>comedores </i>de dimensoes paralelas, rola um processo do tipo cebola: um descascamento de camadas de ego, poder, opressao. e, buenas, sem mais <i>spoilers, </i>isso gera uma qualidade de encontro bonita. e pronto, era so isso. pra quem clicou no link porque leu a palavra tesao, desculpa. nao queria falar de putaria, apenas de desejos.Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-57040855873502162052017-10-07T19:27:00.000-07:002017-10-07T19:32:53.155-07:00pra alimentar o imaginário dazmiga que curte seriado<div style="text-align: justify;">
entendedores entenderão, mas tem horas que eu me sinto a Hanna em <i>Iowa.</i> pros não entendedores de seriados americanos de menininha, vamos lá. nossa amiga Hanna (personagem-alter-ego da Lena Dunham em <i>girls) </i>certo dia da quarta temporada decide voltar a estudar. ela se enfia em Iowa, que é um lugar no meio dos isteites que tem uma porrada de campo de milho. ela chega toda linda e faceira, mas vai se dando conta que é tá totalmente fora do seu elemento. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
minha cena favorita, como não podia deixar de ser, é quando ela vai numa festa em uma <i>frat house,</i> nosso equivalente de uma festa de alunicos de graduação. talvez algo como uma festa de arquitetura no DCE, só que menos criativa. ela tá tão deslocada e precisada de um descarrego que termina dançando sozinha bem loca no meio da sala. um descarrego digno, nada que eu não apoiaria ou faria. mas, pros que tão se perguntando, não cheguei nesse ponto ainda. mas como ela, não tenho muita vida social, as vezes me sinto alienígena no meio dos coleguinhas e frequentemente dou com a cara na parede. essa última frase pode ser lida no sentido figurativo ou real, vide o galo que fiz esses dias. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
mas eu também tenho meu momentos Rory (a menina fofinha do <i>Gilmore Girls</i>). e não é só porque aqui também tem uma estação de cereais no refeitório (a propósito, bem impressionante, um corredor com 23 variedades de sucrilhos). mas eu constantemente me pego pensando que estou no lugar mais maravilhoso do mundo. mesmo. me impressiono pelo menos uma vez por semana com alguma discussão que acompanho. me pego pensando gente-comé-que-não-vim-presse-lugar-antes ou olha-esse-povo-diverso-discutindo-diversidade-que-lindo ou ainda que-show-as-pessoas-fazem-perguntas-pra-saber-a-resposta-e-não-pra-mostrar-erudição. eu fico deslumbrada que nem a Rory em Yale, quando se dá conta que foi parar num mundo mágico do aprendizado. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
e assim, sabe... com certa frequência o aprendizado também vem acompanhado de comida. é, comida-de-graça - essa semana eu tive sete refeições gratuitas em palestras/eventos. ontem inclusive eu comi aperitivos de camarão no bafo com bacon tomando vinho tinto no meio doz dotor tudo. no mesmo evento em que eu ouvi sobre atendimento de saúde para crianças trans e sobre como o uso das estatísticas falseia a visão social sobre a população negra. tipo, Rutgers sua linda, para de ser perfeita. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
fora isso, teve o dia que eu fui atendida por uma canadense maravilhosa que me ajudou a analisar opções de bolsas para aplicar e tentar ficar nessa universidade linda. ou quando um rapaz latino me resolveu 5 problemas de software diferentes só porque eu fui até o setor dele com meu computadorzinho embaixo do braço e pedi ajuda. e também teve o dia que o gerente da academia da universidade me mostrou as instalações e me explicou sobre as aulas de zumba, pilates, yoga e a porra toda que eu posso fazer. ou ainda o auge de todos os momentos-Rory: o dia que eu fui até a biblioteca e descobri dois corredores inteiros de literatura em português. e o funcionário simpático me disse que eu podia emprestar quantos livros quisesse e ficar com eles até o fim do semestre. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
pois sim, meu coração explode toda vez que eu descubro o que posso fazer de graça aqui dentro. quer dizer, de graça não. pagando uma quantia, absurda para qualquer brasileiro, e se tornando aluna desse instituição. sim, nada é de graça nesse país - mas isso é conversa para outro dia. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(<i>eu com fone de ouvido respondendo: você troca o R.U. por 1,90 por um refeitório com todas as comidas possíveis por 11 doleta? você troca a biblioteca da reitoria de graça..</i>.)</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
por ora, o que posso dizer é: tive meus momentos alienígenas que-que-eu-to-fazendo-aqui-socorro. mas, por enquanto, os momentos garotinha deslumbrada na (univer)cidade grande tão ganhando de longe. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-7522550998144296862017-10-05T19:19:00.000-07:002017-10-05T19:19:30.802-07:00eu e meu ingreis<div style="text-align: justify;">
gente, já falei que ser gringa cansa. mas vou falar pra vocês: também dá uma vergonha às vezes. aquela sensaçãozinha que eu tive, na primeira vez que tentei comprar um sanduíche e não entendi nada nem me fiz entendida? mal sabia: é a coisa mais corriqueira na minha vida. </div>
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<br /></div>
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logo eu, que falo mais que o homem da cobra e tenho opinião pra tudo, de repente deixei de ser entendida. quer dizer, não é uma torre de babel desatada, as pessoas costumam me entender. e é justamente esse o problema. explico...</div>
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<br /></div>
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eu tenho um sotaquinho brasileiro bem discreto. veja, não é uma escolha que eu fiz, de disfarçar meu brasileirismo. minha <i>roomate </i>turca fala um inglês impecável com sotaque turco, e é uma coisa linda de se ouvir. queria eu ter um inglês correto com um sotaque só meu. mas meu cérebro aprende línguas mimetizando. eu tenho o instinto de imitar o sotaque alheio. nesse caso, o sotaque de todos os personagens de filmes e seriados americanos que eu vi na vida, mais o de uma <i>roomate </i>californiana.</div>
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<br /></div>
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pois bem, com essa amálgama confusa, as pessoas me ouvem e sabem que eu não nasci aqui. mas não percebem ou não se lembram o tempo todo que eu acabei de chegar. e aí quando eu troco os pés pelas mãos e falo algo estúpido, elas simplesmente sorriem amarelo. </div>
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<br /></div>
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esses dias, por exemplo, estou conversando com um colega que vem de patins para a faculdade. eu quero dizer que deve ser um exercício bom para o equilíbrio e fortalecimento do <i>core, </i>colocando minha mão no umbigo e achando que fui entendida. todos os coleguinhas na roda sorriem amarelo. depois me dou conta que algum embaralho na minha fala deu a entender que devia ser bom pra perder a barriga que meu coleguinha tinha. </div>
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<br /></div>
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e o mais chato desse tipo de gafe é que quando você percebe, já não dá pra corrigir porque o assunto passou. ou a gafe é tão absurda que as pessoas pergunta QUE e você explica, mas aí você já virou um avestruz e enfiou a cabeça na terra. tipo quando eu dei a entender que pessoas brancas tem a responsabilidade de ter privilégios (?????). </div>
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<br /></div>
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pois sim, é o caos. e se isso é complicado, imagina aquelas situações que você quer parecer descolado. prefiro nem pensar. </div>
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<br /></div>
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e enquanto não penso, tento me concentrar em ouvir mais e falar menos. quem me conhece sabe que é um ótimo exercício pra mim em qualquer língua. mas em inglês não tem sido uma opção: vou ter que ficar quieta pra, quando falar, fazer mais sentido. </div>
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<br /></div>
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ao mesmo tempo, fico falando comigo mesma dentro da minha cabeça em inglês. quer dizer, venho fazendo isso como uma espécie de exercício desde o primeiro dia. mas aos poucos, alguns pensamentos estão fluindo naturalmente nessa língua enrolada. várias palavras já fazem mais sentido em inglês, como sempre me acontece quando eu mergulho em outra língua. e, como já estou cheia de preocupações, meus delírios/pensamentos semi-despertos na insônia já são em inglês. </div>
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<br /></div>
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mas, o melhor de tudo aconteceu essa noite. quer dizer, eu acho que aconteceu. só sei que acordei com a lembrança de uma policial, interpretada pela mesma a mulher que passa meu cartão no refeitório na hora do almoço. a que me corta quando eu explico como funciona meu cartão, dizendo que se lembra de mim, sem nunca deixar claro se isso é uma expressão de simpatia ou de desconfiança. no meu sonho, ela me revistava e depois me entregava lencinhos umedecidos para <i>clean your tush</i>.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
e eu não quero nem saber o que meu amigo Freud tem pra dizer sobre isso. apenas fico satisfeita em saber que, pelo jeito, estou sonhando em inglês. </div>
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<br /></div>
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<br /></div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-67652602246738081692017-09-30T21:50:00.001-07:002017-09-30T23:18:03.939-07:00da doença por falta de casa<div style="text-align: justify;">
como boa falante de português orgulhosa, sou muito apegada à palavra saudade. mesmo depois que descobri que em hebraico também existe uma palavra para isso, inclusive com plural e singular, continuei vendendo o discurso da palavra que é só nossa. mas, mesmo os soldados mais ferrenhos da língua portuguesa devem se render às vezes, diante da boniteza de outra língua. </div>
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<br /></div>
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a palavra que vem ganhando meu coração é <i>homesick</i>. </div>
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<br /></div>
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esses dias uma pessoa me apresentou a um brasileiro dizendo: queria que você conhecesse ela, porque no ela esta <i>homesick</i>. eu disse que nããão, eu não estava homesick e curiosamente minha voz atingiu um tom um tanto agudo. na minha cabeça a definição era muito pesada praquilo que eu sentia em relação ao Brasil. </div>
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<br /></div>
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primeiro, porque existe uma questão cognitiva. a gente entende algo novo por comparações com aquilo que já conhece. eu vivo significando minhas impressões, visões e ideias com frases que começam com "no Brasil...". e parece que você de fato entende e aceita algo quando consegue estabelecer raciocínios baseados apenas na realidade que está vivendo. mas isso não é saudade.</div>
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<br /></div>
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depois, ficava o peso da palavra doente embutida quando me diziam <i>homesick</i>. não me pergunte por onde, mas me vinha a imagem de soldados em um trincheira lendo as cartas de alguém amado. passado um tempo, porém, me dei conta que a palavra não tinha essa carga. mais que isso, percebi que descrevia com precisão um sentimento central na substância de ser estrangeira. </div>
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<br /></div>
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é que <i>sick, </i>além de doente, pode ser enjoado, mareado. aquela sensaçãozinha de fundo que não é das dez mais agradáveis mas não te impede de viver. as vezes te empurra mais pra viver, vai saber. morre aquele misto-de-tédio-e-preguiça que as vezes estar em casa nos dá. nascem deslumbramentos, surpresas, curiosidades, desafios. nasce um desejo de ficar nesse lugar que te transborda de novo.</div>
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<br /></div>
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mas fica faltando um calorzinho no coração. um que não está lá, vai saber, quando você se senta no <i>ferry boat </i>e olha pro mar. você está voltando de um dia de viagem lindo. você botou os pés no mar e até sentiu que aquele seu ponto-pacífico-que-fica-no-atlântico veio junto com você na mala. afinal, é o mesmo mar. mas aí você senta no <i>ferry boat </i>e pensa: me falta aquele colinho. </div>
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<br /></div>
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um colo que não é de uma pessoa só. mas de uma série de amores que ficaram pra trás. aqueles amores despretensiosos que brotam numa amizade de longa data e olhar profundo. coisas que você não sabe como serão nesse lugar novo, mas que sabe que não serão como antes.</div>
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<br /></div>
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e não é tristeza, ainda que possa virar. é mais um gostinho bom de amore e saudade. é uma condição que, você entende, vai te acompanhar. sempre. vai te lembrar que ter asas é fundamental, mas você nunca vai deixar de ter raízes. </div>
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Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-64127871091412343912017-09-23T21:37:00.000-07:002017-09-23T21:38:03.158-07:00o parque das terras altas<div style="text-align: center;">
pois eis que vim parar em um lugar que se chama Highland Park.</div>
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passei quase duas semana jurando que era um bairro de New Brunswick, a cidade onde estudo. mas depois de várias gafes entendi que não: esse lugarejo com 50 km de asfalto tem até prefeito. e mais, cidadão orgulhosos e uma associação de bairro ativa. além dos esquilos e enviadinhos, a pseudo-cidade também tem uma vasta coleção de velhinhas, crianças e casais sorridentes.</div>
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<br /></div>
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a minha parte favorita de morar aqui é que cruzo o rio todos os dias para ir pra aula. o Raritan, meu novo velho amigo, que me cumprimenta todas as manhas. e eu cumprimento ele de volta, sim. aliás, estou com a mania insuportável de dizer oi para todos os esquilos que vejo. só parei de cumprimentar as famílias de veadinhos porque, aparentemente, elas se retiraram de férias em direção ao sul. </div>
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<br /></div>
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tá, eu tô ficando meio louca, talvez. ou tô assumindo mais minha loucura porque não tem muita gente pra ver. mas também tem contato humano aqui, juro! por exemplo, na minha primeira semana comprei uma abóbora direto da produtora - aliás, está começando época de abóbora por aqui e aparentemente, existem 887 variedades do bicho. na semana seguinte, conheci o Pino's, um barzinho que aceita cachorros e onde as pessoas levam seu próprio rango. </div>
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<br /></div>
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mas a melhor parte desse tal parque das terras altas é, sem dúvida, sair a noite. a cidade tem iluminação pública só nas ruas principais. nas ruas menores, algumas casas iluminam o caminho. no parque existe uma luz que fica perto das docas e acende quando você passa. e eu saio as onze da noite pra ir ao mercado. vou correr no parque em breu absoluto. e cada vez que faço isso, meu coraçãozinho de mulher brasileira fica tenso e depois suspira aliviado. é uma leveza inenarrável.<br />
<br />
e aí, já que estou nessa de vender meu peixe, preciso dizer: a impressão é que Highland Park tem tudo isso de cidade pequena, mas uma cabecinha de cidade grande. aqui tem muitos filhos da universidade, que - outro dia conto - parece bem progressista. você anda pelas ruas e vê placas dizendo em três línguas "não importa de onde você vem, estamos feliz em ser seus vizinhos". vi uma bandeira confederada, é verdade. mas também vi uma bandeira de arco iris numa casa cheia de artes e dizeres lindo. os dizeres bonitos até o momento estão ganhando de longe até das bandeiras americanas (!).<br />
<br />
enfim, você já deve ter percebido que estou apaixonada. mas é que gosto do que vejo, do que cheiro e do que ouço morando nesse lugar. ir dormir com os grilos e acordar com os passarinhos nunca foi meu grande sonho, sou mocinha da cidade. mas é bem agradável, vou te falar.<br />
<br />
pois bem, agora só falta você me visitar. </div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-24932393869261644382017-09-21T19:54:00.003-07:002017-09-23T21:37:49.780-07:00sobre ser estrangeira<div style="text-align: justify;">
desde muito antes de sair do Brasil, eu venho pensando na consistência do que é ser estrangeira. pensava que seria uma boa oportunidade de sentir saudade. um espaço em potencial para fortalecer minha identidade. pelo lado judaico, meu pai sempre me fez entender que a alteridade pode ser um elemento fortalecedor da identidade. ficava pensando: será que pra minha brasilidade vai acontecer o mesmo? </div>
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<br /></div>
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e, bem, não é algo que eu possa dizer agora. não tive muito tempo de pensar no Brasil. não tive tempo, sinceramente, de sentir saudades. em alguns momentos senti que seria bom ter o aconhechego de alguém do meu antigo lugar. em outros, fiquei feliz de estar conectada com quem amo. mas houveram momentos em que eu simplesmente não tinha energia para me comunicar. queria silencio. </div>
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<br /></div>
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porque a verdade é essa: ser estrangeiro cansa. </div>
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<br /></div>
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no momento em que pisei nos Estados Unidos eu já podia ter percebido isso. mas, quando o moço da imigração me deu uma dura porque esqueci um documento, eu achei que estava sentindo desamparo. nada mais natural, já que eu acabara de sair de uma colcha de amparo tecida com muito amor.</div>
<div style="text-align: justify;">
mas o tempo foi me mostrando que o sentimento cotidiano mais difícil é o cansaço. um que vem da dificuldade de desempenhar até as tarefas mais simples. perceba: no meu primeiro dia na universidade tive que fazer um esforço sobre-humano para comprar um sanduíche. a moça não me entendia e, principalmente, eu não a entendia. eu, do alto do meu currículo de professora-de-inglês terminei comendo algo absolutamente diferente do que imaginei. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
mas é que a língua, parece, é apenas uma das barreiras. você precisa entender a língua cotidiana falada rápido com um sotaque específico. você precisa entender o próprio cotidiano e seus rituais. </div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
você precisa entender coisas como:</div>
<div style="text-align: justify;">
-que tipo de estabelecimento vende adpatadores de tomada?</div>
<div style="text-align: justify;">
-que seção do mercado vende aveia?</div>
<div style="text-align: justify;">
-qual a palavra usada para saudar pessoas em e-mails informais?</div>
<div style="text-align: justify;">
-qual a maneira formal-mas-não-tanto de encerrar um e-mail para seu professor?</div>
<div style="text-align: justify;">
-qual o tamanho de um café pequeno? </div>
<div style="text-align: justify;">
-onde é possível encher os pneus da sua bicileta?</div>
<div style="text-align: justify;">
-bicicletas circulam nas calçadas ou nas laterais das ruas?</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
claro, nenhum drama. coisas de uma menina privilegiada e não de um imigrante que precisa sobreviver. mas é uma maquinação cerebral constante. e em outra língua. você chega no fim do dia e não consegue nem falar às vezes .</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
o que me faz pensar no nível de stress que um imigrante passa. ou um refugiado que estava a mercê em um lugar e continua vulnerável em outro. penso mesmo naquela moça síria que me vendia um café com cardamomo delicioso atrás da Santos Andrade. que me chamava de <i>habiba </i>e me desejou muita sorte e luz quando eu disse que vinha para cá. </div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
o que eu estou vivendo não chega nem perto do que ela deve ter passado. coisa que eu nunca vou saber ou entender do alto do meu privilégio. mas ela, do alto de um coração grande, entendeu que eu ia enfrentar um desafio, por menor que fosse. achou justo sair de trás do balcão e me abraçar. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
eu só espero que, quando esse cansaço passar, eu também possa ter um pouco dessa energia multiplicadora. de saber olhar para as pessoas com amor. de poder se doar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
por ora, vou focando em entender as pequenezas desse mundo estranho. </div>
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Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-46051737774487254902015-08-29T12:11:00.001-07:002015-08-29T12:11:44.323-07:00SUA POESIA É SUA por Marcelino Freire<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: verdana, tahoma, arial, sans-serif; font-size: 12.1599998474121px; line-height: 19.4559993743897px;">"Só existe um livro no mundo. Dizem. Os outros livros vêm sempre em segundo. São cópias desse primeiro livro. Tudo está, na verdade, sendo eternamente reescrito. Ave nossa! Certo. Eu entendo. Mas penso. A poesia, por exemplo, de Augusto dos Anjos é dele. Unicamente. Sim. Mesmo filho e herdeiro de leituras parnasianas, simbolistas. Somente ele, ora, lançou o olhar para uma dicção específica. Digo: focou ele seu espírito em uma língua paralítica. Maldita. Inaugurou, no Brasil, um repertório original. Raivosamente lírico. Meu Cristo! Como não dizer, a saber, que aquilo que escreveu Guimarães Rosa foi ele mesmo quem escreveu? E para valer? Foi a fala dele que se abasteceu do verbo do povo, do gesto do jagunço, do léxico dos Sertões. Claro que o autor mineiro bebeu na fonte de Euclides da Cunha. E na de gente mais antiga nesse mundo. Há testemunhas. Mas Rosa é dono do que fez. Ora, sem dúvida. Mergulhou profundo em várias culturas que ele, só ele, pôde traduzir. E fazer uso sem limite, enfim. E mais não digo. Mas pergunto. Meu amigo e minha amiga: e sua poesia como anda? Diz-me, ao pé do ouvido. Sua poesia é sua, de verdade? Você está consciente dos voos que dá na página? Do espaço que ocupa com cada palavra? Dos verbos que escolhe? Tem lido bastante, meu jovem, minha jovem? Quais poetas costuma visitar? Já roubou quem hoje? Se roubou, o que pôs, então, no lugar? Reexplico: tudo é seu quando você sabe o que está fazendo. Quando há intensidade na sua entrega. Quando você carrega, feito formiga, um pouco de cada coisa por aí espalhada. De cada obra que leva para casa, você bem sabe o nome. É capaz de reconhecer o sinal. De que maneira, visceral, a poesia do outro tocou no seu peito. Não tem jeito. Somos feitos do que foi feito. E agradecemos, quando escrevemos, a quem nos ajudou nessa busca. Infinita. Por uma voz só nossa. Um jeito só nosso. E de mais ninguém. De estar na vida. De sentir quando a alma de nossa arte segue. Além." (<a href="https://marcelinofreire.wordpress.com/2013/03/21/sua-poesia-e-sua/">Marcelino Freire</a>)</span></div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-87058909816334901512015-08-27T09:11:00.001-07:002015-08-27T09:13:15.794-07:00(?)<div style="text-align: justify;">
tenho uma Professora que diz que pra aprender temos que saber fazer as perguntas certas. e o P maiúsculo alí não foi colocado por acaso (de tão gigante, essa Professorinha de um metro e meio se tornou um voz constante na minha consciência). penso que concordo: o verdadeiro conhecimento - aquele que não é só bonitinho pra pendurar na parede, mas que a gente constrói - só pode se formar a partir uma boa coleção de indagações. e mais: essa Professora, pasmem, de fato escuta as perguntas que seus alunos lhe fazem. e reflete antes de responder (um verdadeiro fenômeno na academia). e responde, muitas vezes com outra pergunta, como não poderia deixar de ser. </div>
<div style="text-align: justify;">
mas esse papo dela, percebi, significou para mim mais do que um g<i>ênesis intelectual</i>. é meio que o começo de tudo, sabe como?<br />
<br />
<div style="text-align: right;">
<i>No princípio criou D'us o ponto de interrogação (agora, meus filhos, façam dele o que quiserem)</i>.<br />
<br /></div>
e aí já ouço uma penca de sujeitos práticos e bem resolvidos, tão fálicos como um ponto de exclamação, dizendo que isso tudo é uma masturbação mental sem sentido e sem fim. ou pós-modernismos relativistas alternativos. talvez eles tenham razão.</div>
<div style="text-align: justify;">
a bem da verdade, deixo eles terem toda a razão. aliás, fiquem com a verdade, esse infinito dom de iludir. ela é toda sua. prefiro não saber e seguir matutando. já disse uma vez uma moça muito sábia: se existe um mal absoluto ele está justamente nas mãos dos que defendem um bem absoluto. o meu bem? não é absoluto. nem sei se é um bem. saber se perguntar, creio eu, é um mal inenarrável. uma coisa de querer botar as tripas pra fora pra dar uma olhada. só pra ver que lá dentro estão guardadas mais e mais interrogações. </div>
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<br /></div>
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<br /></div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-82411089733896081432015-07-18T22:06:00.000-07:002015-07-18T22:06:07.595-07:00profissão 'criancista'<div style="text-align: justify;">
<i>o texto é antigo, tem pelo menos um ano de engavetamento. hoje nem mesmo sou professora. posso me dizer, ainda, criancista? mas decidi compartilhar, primeiro, porque é do meu ser e, segundo, porque me comoveu lembrar daquela pequenina que me mostrou o quanto isso era profundo. </i><br />
<br />
Lembro-me bem do dia em que descobri que trabalhar não era (só) uma mazela. Depois de uma experiência mais do que suficiente em um escritório, havia concluido que o trabalho, quando não te faz mal, não te faz nada. Mas um dia, entrando para dar aula uma das primeiras vezes depois de uma semana dos infernos, fui parada por uma pequena. Uma pequena que hoje já é bem maior que eu. (Isso é papo de professora velha e baixinha. No meu caso, mais baixinha do que velha.) Mas, enfim, o fato é que naquele momento a pequena me parou, olhou nos meus olhos e perguntou: Você está bem, Marina? Com muito esforço menti que "sim, estou be...", mas antes que terminasse a frase fui surpreendida por um abraço. Os dois bracinhos me envolveram com a doçura de quem diz eu-sei-que-você-não-está-bem-mas-eu-estou-aqui, a cabeça cheia de cachinhos encostou no meu colo e fui preenchida pela mais singela forma de energia que ela me doava sem medo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Uma forma de energia que se tornou quase familiar com o passar dos anos. Foi virando um combustível que preenche meu coraçãozinho de professora quase que semanalmente. Também não vou mentir, dizendo que é diariamente. O professor que disser que nunca sai da sala esbravejando vai estar mentindo: lidar com gente (pequena, então) sempre causa dores de cabeça, coração e garganta. Mas o fato é que as dores, sim, existem, mas existem as delícias. Os desenhos, as genialidades, as sacadas. Os bilhetinhos, as declarações de afeto, os sorrisos. Os abraços, as beijocas e até pequeninas que te agasalham porque você está gripada. Mais que suficiente pra fazer chorar de alegria uma professora manteiga derretida como eu.<br />
A verdade é que essas bonitezas todas, ao longo dos anos, fizeram de mim uma chata apaixonada, que fala das "suas" crianças sempre que tem oportunidade. Tem que fale de seus filhos, tem quem fale de seus bichos de estimação, tem até quem fale de ações das bolsa- ainda que não me relacione muito com este último tipo, sei que existem. Bom, eu falo dos meus alunos e os que não se interessam por crianças vão ter que me desculpar ou se retirar. O tempo e os ventos da escola, feliz ou infelizmente, me transformaram em uma criancista em constante formação, como muitos viram economistas, cientistas ou balconistas. <br />
Mas ser uma criancista, como ser professora, tem suas lindezas e suas dores. As dores cotidianas e as dores de um amor maior. As cotidianas resolvemos com fonoaudiologia, acupuntura, gengibre e muita respiração profunda. Já as que vem de um amor maior são de resolução mais complexa. Aliás, ouso dizer que são insolúveis. Devo me conformar que vou carregar esse aperto no peito pro resto da vida. Isso quando o aperto no peito não vira choro convulsivo.<br />
O problema é que ser criancista nos faz saber melhor quem são os pequenos, saber sentar no chão e subir em árvore, saber estar no seu nível, "ficar na ponta dos pés, estender as mãos, para não machucá-las". Uma criança reconhece logo um criancista: é aquele que lhe olha nos olhos e tenta entendê-la sem subestimá-la. Mas isso de entender os pequenos, mais que um dom ou aprendizado, é um fardo. Porque entendendo-as você entende a beleza de ser criança. E isso te impossibilita de entender e aceitar qualquer situação que afaste a pequenez e grandeza daquele serzinho desta mesma beleza. <br />
Criancistas maduros, diante disso, não se conformariam e se colocariam a projetar caminhos de resolver estes problemas. O que seria digno e possível fazer. Mas quando ainda se é criancista em formação (sempre?) não se está completamente apto a lidar, a virar essas situações. Pode ser que ver aquela criança sofrendo tenha apenas o efeitos de te derrubar ao chão e te matar um pouco por dentro (perdoado o exagero da manteiga derretida e chorosa que sou). Pode ser que, com uma pitada a mais de pragmatismo, você já seja capaz de entender que não se pode abraçar o mundo com braços humanos. Mas fica sempre uma angústia, uma sensação de parem-o-mundo-que-eu-quero-descer, ou, na melhor das hipóteses, a compreensão de que tudo começa agora, que é sempre tempo e nunca chega-se ao fim da linha. Que o presente é brutal, que o passado o explica e que o futuro é uma luta cotidiana. Uma luta que está, sempre, apenas começando. </div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-14760778974071291432015-05-03T20:35:00.000-07:002015-05-03T20:35:49.440-07:00a plenitude do amor<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif; font-size: x-small;"><i>"fundamental é mesmo o amor..."</i></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif; font-size: x-small;">T.J. </span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">lembro bem do poeta, dizendo tantas vezes ao meu ouvido: <i>é impossível ser feliz sozinho. </i>talvez ele nem tenha dito isso tantas vezes, mas o fato é que foi gravado por alguém e repetido feito doutrina na minha cabeça de ser sentimental em formação. e várias vezes lembrei dele e me perguntei:<i> será que é isso mesmo? </i></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">já achei que sim, no meio de alguns dos intensos e saborosos amores que vivi. já achei que sim, no fundo dos poços que vieram depois deles. já achei que não queria nem pensar nisso, quando amar me fez infeliz e prisioneira. já achei que não, quando estar sozinha me foi mergulhar na vida outra vez. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">de qualquer forma: <i>a verdade mesmo é que sou um ser de amor</i>. não porque ame toda a humanidade. nem porque ache que o amor resolve os problemas do mundo. mas, por mais pragmática que tente ser e até seja, é assim que existo e sempre existi: sentindo muito amor, deixando ele transbordar esse copo cheio de emoções que sou euzinha. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">e sabe o quê? nos últimos dias me aconteceu uma coisa assim, sui generis. uma coisa de voltar pra casa me sentindo feliz, com aquela sensação de brotamento espontâneo de sorriso. aquela sensação de plenitude que só o amor traz. plenitude não porque seja eterno ou absoluto, mas porque te torna pleno naquele mesmo instante. o famoso <i>infinito-enquanto-dure</i> do poeta. "sui generis?", você pergunta. mas é que sabe o que é? não era paixonite. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">nos últimos dias, foi inédito, mas voltei para casa mais de uma vez sorrindo de amor por pessoas no plural. pessoas que não me atraem fisicamente, mas que acho as mais lindas que há. pessoas com quem quero apenas estar. e somar. e multiplicar. pessoas que me fazem sentir feliz de ser quem eu sou e estar onde estou. nos últimos dias passei ilesa até por uma <i>tpm.</i> sem derramar uma lagriminha. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">e tá... talvez seja por encontrar segurança no meio de toda a incerteza desse navio-na-tormenta que anda minha vida. ou por encontrar gente que é forte e sabe ser dura - mas não perde a ternura - no meio desse mundo de injustiça e violência que anda mais perto que nunca. ou simplesmente porque gentileza e doçura não se encontram em qualquer canto e a gente fica até surpreso quando se depara. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">ou pode ser isso tudo junto. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">não sei. o que sei é que é bonito, faz bem, engrandece. que soma, divide, multiplica e faz o que é bom crescer em progressão geométrica. que às vezes transborda. o que eu sei é que isso também é amor. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">e que de fato, é impossível ser feliz sozinho (pra mim, ao menos). </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">mas, tudo bem, eu não estou sozinha. </span></div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-84794743403750149402015-03-25T19:00:00.002-07:002015-03-25T19:06:51.920-07:00sobre a tal da páscoa judaica<div style="text-align: justify;">
ultimamente andam me perguntando da tal da páscoa judaica. ontem uma amiga, aflita, me interpelou dizendo que não pode existir 'páscoa' judaica se a gente não acredita em cristo. "calma, minha filha. páscoa judaica é só um jeito didático de falar de outra coisa". outra coisa que seria? hum, vamos ver...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>uma semana em que só comemos pão ázimo (sem fermento); uma semana em que lembramos que nossos antepassados saíram do egito às pressas, fugindo da escravidão, e não puderam fermentar o pão pra essa <i>trip </i>no deserto; uma semana em que deveríamos, rés a lenda, de fato nos sentir como se nós tivéssemos sido escravos e então libertados. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
claro, que, como todo simbolismo religioso, essa história toda nos fala da fé em D'us, que nos libertou. mas fé não é lá meu forte, então fico com tantos outros simbolismos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
<i>[se tem uma coisa que gosto nessa bendita tradição que me foi legada é o recheio de simbolismos que transborda por todos os lados]</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
e esse tal pão ázimo, o pão da pobreza - além de ser uma bolacha estranha que dá prisão de ventre - é o mais lindo dos símbolos. e pra falar dele não consigo deixar de emprestar as palavras de um outro judeu meio subversivo: </div>
<br />
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div style="text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 115%;">"Este
é o pão da pobreza que comeram</i></div>
<span style="color: black;"></span><br />
<div style="text-align: right;">
<span style="color: black;"><i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 115%;">os nossos antepassados na terra
do Egito.</i></span></div>
<span style="color: black;">
<span style="font-family: Calibri, serif;"><div style="text-align: right;">
<i style="font-size: 11pt; line-height: 115%;">Quem tiver fome – e muitos são os que têm
fome,</i></div>
<span style="font-size: 11pt;"><div style="text-align: right;">
<i style="font-size: 11pt; line-height: 115%;">neste mundo em que vivemos – que venha e coma.</i></div>
<i><div style="text-align: right;">
<i style="font-size: 11pt; line-height: 115%;">[...]</i></div>
</i></span></span></span><br />
<div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div style="text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">É
o legado ético de nosso povo,</i></div>
<span style="font-family: Times New Roman, serif;"></span><br />
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Times New Roman, serif;"><i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">a mensagem contida neste simples
alimento,</i></span></div>
<span style="font-family: Times New Roman, serif;">
<span style="font-size: 12pt;"><div style="text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">neste pão ázimo que sustentou no deserto,</i></div>
<span style="color: black;"><div style="text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">e o
que o vem sustentando ao longo das gerações.</i></div>
</span></span></span><br />
<div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div style="text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">É
preciso ser justo e solidário,</i></div>
<span style="font-family: Times New Roman, serif;"></span><br />
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Times New Roman, serif;"><i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">é preciso amparar o fraco e
ajudar o desvalido.</i></span></div>
<span style="font-family: Times New Roman, serif;">
</span><br />
<div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm; text-align: right;">
<br /></div>
<div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div style="text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">O
deserto que hoje temos de atravessar</i></div>
<span style="font-family: Times New Roman, serif;"></span><br />
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Times New Roman, serif;"><i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">não é uma extensão de
areia estéril,</i></span></div>
<span style="font-family: Times New Roman, serif;">
<span style="font-size: 12pt;"><div style="text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">calcinada pelo sol implacável.</i></div>
<span style="color: black;"><div style="text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">É o
deserto da desconfiança, da hostilidade,</i></div>
<span style="font-family: Calibri, serif;"><div style="text-align: right;">
<i style="font-size: 11pt; line-height: 100%;">da alienação de
seres humanos.</i></div>
</span></span></span></span><br />
<div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm; text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">[...]</i></div>
<div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div style="text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">Ama teu próximo como a ti
mesmo.</i></div>
<span style="font-family: Times New Roman, serif;"></span><br />
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Times New Roman, serif;"><i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">Reparte com ele teu pão.</i></span></div>
<span style="font-family: Times New Roman, serif;">
<span style="font-size: 12pt;"><div style="text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">Convida-o para tua
mesa.</i></div>
<span style="color: black;"><div style="text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;">Ajuda-o a atravessar o deserto de sua existência”.</i></div>
<div style="text-align: right;">
<i style="font-family: Calibri, serif; font-size: 11pt; line-height: 100%;"><br /></i></div>
<div style="text-align: left;">
</div>
</span></span></span><br />
<div style="text-align: justify;">
e eu, como tantas outras vezes, chego à esse momento do ano pensando no pão ázimo. mais especificamente na prisão de ventre que o bendito pão vai me causar. mas, dessa vez, a metáfora faz mais sentido: de fato me sinto no deserto. nesse, da desconfiança e da hostilidade. nesse deserto que é existência humana. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
a aridez da humanidade vem me atingindo cada dia mais. tantos arautos da boa vontade humana tem se desmanchado diante dos meus olhos. a brincadeira (com seu fundo verdadeiro) tem sido recorrente: "ai, amiga, tô perdendo a fé na humanidade". é, tô perdendo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
mas no meio desse deserto, em que fica difícil amar qualquer próximo ou distante, me vem outra metáfora. outro dos tão amados simbolismos que herdei com meu sobrenome e que relembro todos os anos no jantar de família. o ovo cozido. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>explico</b>: na mesa de <i>pessach </i>(a tal da páscoa judaica) temos um ovo cozido, que comemos molhando na água salgada. as explicações para ele são muitas. tem uma sobre circularidade, que diz, em ritmo de CPM 22, que o mundo dá voltas. outra, que meu pai gosta de contar todo ano, fala dos ovos molhados no mar vermelho (quem quiser entender a piada pede pro patriarca feldman contar que ele adora). mas a mais fascinante de todas fala que o ovo é que nem o povo judeu: quanto mais se cozinha, mais duro fica. e o mais legal, se a gente parar pra pensar, é que ele fica duro mas segue macio. de um jeito que, se cair, quebra só a casca. não quebra porque é macio, que nem o poeta.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
e como é isso que eu faço com o meu judaísmo, resolvi emprestar essa metáfora e usar do jeito que eu quero. e mandar um beijinho no ombro pros dogmático passá longe. se entrei no deserto da existência desse jeito, dá licença que vou me agarrar no ovo cozido pra sair dele. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
vou lembrar, com toda a força, que eu também sou um ovo cozido. que a vida, os seres humanos, a sociedade, vão sempre me jogar na cara que as coisas não são tão bonitas como eu espero. vão sempre rir dos meus idealismos "juvenis", sejam eles de 5 anos ou 5 horas atrás. que as coisas não funcionam nem mudam sem a gente se estrepar um pouco. mas eu sou um ovo cozido: o que vejo frustrado só me dá mais ferramentas pra fazer funcionar da próxima vez. só me dá mais pragmatismo pra enfrentar o que acho errado. só me dá mais força pra seguir sendo cozinhada pela vida e endurecendo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
e aí lembro dos tantos ovos cozidos que a vida me introduziu. lembro desses que foram sendo fervidos comigo ou bem antes de mim, e permanecem lado a lado com um pelotão de ovos cozidos: frustrados, porém fortes. endurecendo e nunca perdendo a ternura pela humanidade. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
e os que seguem nos cozinhando vão chamar de idealismo juvenil, de verborreia ou até de comunismo - até porque nem se interessam em saber do que de fato estamos falando. pra esses eu desejo boas festas, que sigam seus jantares recheados de boa comida. eu, aqui, com meus<i> fellow boiled eggs, </i>vou continuar a travessia. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-35774672114897556572014-12-22T05:54:00.000-08:002014-12-22T06:04:24.406-08:00(L)<div style="text-align: justify;">
Não sou das que gostam de fins de ano e fogos e espumantes e festa louca. Quer dizer, até gosto da festa, mas não faço tanta questão que aconteça no dia 31. Não acho que uma mudançazinha no calendário faça tanta diferença. Assim como acho engraçado como nos parabenizamos por aí por ter nascido (a única coisa na vida pela qual não podemos ser responsabilizados). Mas, pseudo-intelectualices a parte, sei de uma coisa: esses ritos de passagem são os únicos momentos em que podemos, sem receio, escrever algo lá do fundo pras pessoas a quem queremos dar amor. E eu, escrevedora e manteiga derretida que sou, as vezes aproveito essas oportunidades. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Todo esse prelúdio (estou ficando cada vez mais professoral) pra dizer que:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Esse era o ano do desastre. O ano da depressão. Nesse ano fui no cardiologista, porque achei que meu coração ia sair pela boca. Nesse ano estive em lugares dos mais lindos, pensando em tanta coisa feia. Esse ia ser um ano perdido.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas não. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Depois de viver um melhor-último-domingo-do-ano, ainda posso dizer que muita coisa boa vai acontecer em 2014. O ano termina com meu coração repletinho de amor até as bordas. Amor de tanta gente. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Amor daquela gente que me aguentou no fundo da fossa, chorando as pitangas sem ter por onde terminar. Dos que me explicaram que era só manter a calma, a lua estava cheia, estávamos passando pelo retorno de Saturno. Daquela gente que fingiu que não ouvia as pitangas mas ficou do meu lado tentando me mostrar outras coisas. Das pessoas maravilhosas que comecei a descobrir quando consegui lavar a cara e olhar pra fora. Daquelas que me encontraram no meio desse caminho e mostraram que era simples: bastava manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo. Dos que me mostraram que D'us dá na hora que mais se precisa (a gente acreditando nele ou não). Daqueles que nunca deixam de me amar, mesmo eu sendo ausente e terrível. Das pessoas que nem conhecia e que ganharam um lugar de honra na minha vidinha. Dos velhos amigos que, mesmo aparecendo de vez em quando, me alumiam até dizer chega. Dos novos <i>roomates</i>, dos novos colegas de trabalho e todos esses presentes que eu não podia esperar ganhar, assim, de graça.. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nesse momento, se fosse eu um pouco mais hippie, estaria gritando por aí "GRADITÃO! GRADITÃO!". Porque se bobear é o que sinto. Mas não vou fazer isso, porque sou uma pessoa mundana, terrena e que come carne. Mas de uma coisa sei: todo esse amor que recebi, mando de volta. </div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-8081193805851737092014-10-06T10:20:00.000-07:002014-10-06T10:22:24.772-07:00contos efêmeros I - com um balão só, já dá pra voar?<div class="western" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0.35cm; text-align: right; text-indent: 1.25cm;">
<span style="line-height: 115%; text-indent: 1.25cm;"> Clicou em finalizar compra com a relutância de quem é vivo, mas com
a certeza de quem já analisou suas opções incontáveis vezes. Ia
fazer esta viagem. Estava decidida. Soube, em verdade, desde o
momento em que ouviu a notícia, que tomaria esta atitude. Ainda que
tenha perguntado o que mesmo aquele homem havia dito e por alguns
segundos não tivesse acreditado. Ainda que não soubesse exatamente
o que iria fazer, sabia. Teve a certeza incerta de que faria essa
viagem. Teve a certeza que seria a senhora desta jornada.</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0.35cm; text-indent: 1.25cm;">
Senhora de si. Sempre havia sido a senhora de si mesma, por que agora
seria diferente? Nunca havia deixado nem ele, aquele que tanto amou,
interferir em suas decisões. Estava sempre disposta a estar na
companhia dele e de todos aqueles que carregava no coração, mas
sempre alcançou o que queria por conta própria. Egoísta? Não.
Vivia com a responsabilidade de quem faz porque acredita. Em si, nos
outros. Acreditava, acima de tudo, que o mundo tinha tantas
possibilidades e que jamais abriria mão de abocanhá-las por estar
presa a alguém, a algo, a algum lugar. Não tinha raízes. Mas isso
não quer dizer que não amava. E como amava. Os seres que a
cercavam, ele especialmente. Tanto que a última coisa que fez antes
de se dirigir ao aeroporto foi deixar uma mensagem.</div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0.35cm;">
<span style="line-height: 115%;"><br /></span>
<span style="line-height: 115%;">MEU CARO,</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0.35cm;">
VOCÊ ME DEU TODA A FELICIDADE QUE PODERIA PEDIR. VOCÊ FOI PARA MIM
TUDO QUE ALGUÉM PODIA SER. MAS SOU EU A SENHORA DO MEU PRÓPRIO
CAMINHO, POR ISSO PRECISO IR. FICA COMIGO A CERTEZA DA SUA BONDADE.
FICA CONTIGO TODO MEU AMOR.
</div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0.35cm;">
A.<br />
<br /></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0.35cm; text-indent: 1.25cm;">
Feito isto, tomou seu rumo. A cada passo em direção à porta de
embarque, sentia-se entornar <span style="line-height: 115%; text-indent: 1.25cm;">quilos de peso pelo chão. Sabia que
alguém iria recolher aquilo que deixava pra trás, e com pesar. Mas
ela havia decidido que aquele fardo não carregaria. Se tornar um
fardo sempre lhe pareceu o pior de todos os fardos.</span></div>
<div align="justify" class="western" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0.35cm; text-indent: 1.25cm;">
Despachou a mala com todo o peso que tinha nas costas, sabendo que
não iria retirá-la em seu destino. O resto de peso que ainda
carregava foi ficando pelo caminho: no avião, no taxi, na agência
de turismo – alguns quilos com o dinheiro com que pagou o aluguel
do balão - e o último tantinho do lado de fora do cesto, depois de
ouvir as últimas instruções sobre como fazer pousar um balão de
ar quente. Ouviu com a atenção de quem sabe que não vai precisar
daquilo, mas está de corpo e alma presente por que não carrega mais
nada além de si.
</div>
<div align="justify" class="western" style="border-bottom: 1px solid #00000a; border-left: none; border-right: none; border-top: none; line-height: 115%; margin-bottom: 0.35cm; padding-bottom: 0.04cm; padding-left: 0cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm; text-indent: 1.25cm;">
Acendeu o maçarico, como lhe haviam ensinado. O ar quente subindo e
junto seu corpo, com alma e tudo dentro. Sentiu-se subir, flutuar,
lembrando-se vagamente de como a ideia da morte a havia atingido com
um peso aterrador. Foi esmagada no exato momento em que ouviu
“câncer” e se enxergou presa a uma cama de hospital. Mas não.
Agora o peso ficara pra trás. A dor agora havia virado poesia, como
uma cicatriz que de canto sorri. Sorriu ela também. E com a lucidez
dos que sabem o que fazem, assumiu a morte com a leveza de quem voa.<br />
<br /></div>
<div align="justify" class="western" style="border-bottom: 1px solid #00000a; border-left: none; border-right: none; border-top: 1px solid #00000a; line-height: 115%; margin-bottom: 0.35cm; padding: 0.04cm 0cm;">
<span style="color: #666666;"><span style="font-family: Bookman Old Style, serif;"><span style="font-size: 11pt;"><span lang="en-US"><i><span style="background: #ffffff;"><br /></span></i></span></span></span></span>
<br />
<div style="text-align: right;">
<i style="color: #666666; font-family: 'Bookman Old Style', serif; font-size: 11pt; line-height: 115%;"><span style="background: #ffffff;">Dearest,</span></i></div>
<span style="color: #666666;"><span style="font-family: Bookman Old Style, serif;"><span style="font-size: 11pt;"><span lang="en-US"><i><span style="background: #ffffff;">I
feel certain that I am going mad again. I feel we can't go through
another of those terrible times. And I shan't recover this time. I
begin to hear voices, and I can't concentrate. So I am doing what
seems the best thing to do. You have given me the greatest possible
happiness. You have been in every way all that anyone could be. I
don't think two people could have been happier till this terrible
disease came. I can't fight any longer. I know that I am spoiling
your life, that without me you could work. And you will I know. You
see I can't even write this properly. I can't read. What I want to
say is I owe all the happiness of my life to you. You have been
entirely patient with me and incredibly good. I want to say that
— everybody knows it. If anybody could have saved me it would
have been you. Everything has gone from me but the certainty of your
goodness. I can't go on spoiling your life any longer.</span></i></span></span></span></span><span style="color: #666666;"><span style="font-family: Bookman Old Style, serif;"><span style="font-size: 11pt;"><span lang="en-US"><i><br /></i></span></span></span></span><span style="color: #666666;"><span style="font-family: Bookman Old Style, serif;"><span style="font-size: 11pt;"><span lang="en-US"><i><span style="background: #ffffff;">I
don't think two people could have been happier than we have been.</span></i></span></span></span></span><span style="color: #666666;"><span style="font-family: Bookman Old Style, serif;"><span style="font-size: 11pt;"><span lang="en-US"><i><br /></i></span></span></span></span><span style="color: #666666;"><span style="font-family: Bookman Old Style, serif;"><span style="font-size: 11pt;"><i><span style="background: #ffffff;">V.</span></i></span></span></span><br />
<span style="color: #666666;"><span style="font-family: Bookman Old Style, serif;"><span style="font-size: 11pt;"><i><span style="background: #ffffff;"><br /></span></i></span></span></span></div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-83397986921537801032014-07-01T17:00:00.001-07:002014-07-01T17:04:44.532-07:00viver é um esforço<div style="text-align: justify;">
nem todo mundo nasce com recheio. nem todo mundo consegue descobrir seu recheio sozinho. nem todo mundo é capaz de encontrar o que lhe recheie alí dentro de si mesmo. e, pra falar a verdade, se é que ela existe, provavelmente essa coisa de se rechear nunca acaba. um desgosto para os que esperam, mas acho que nunca chega o dia em que dizemos "pronto, me encontrei". e, se dizemos, mordemos a língua na sequência. sentir-se um pessoa inteira, duas-bandas-com-recheio-cremoso, não é uma tarefa findável (e que tarefa realmente importante é?). é construir, desconstruir, reconstruir, implodir, consertar, construir mais, reformar, construir uma novo andar a cada dia, trabalhar no acabamento, só para desconstruir tudo de novo no dia seguinte.</div>
<div style="text-align: justify;">
e, o pior: sem receita-de-bolo. a gente pode chacoalhar o analista e implorar, "me diga o que fazer". ele não vai dizer. se disser, ele não é, de fato, um analista. estes nunca te dizem o que fazer- não dá pra ignorar que o barbudinho era judeu e nós sempre respondemos com perguntas. mas, freudices a parte, se ele te dissesse o que fazer, sabe o que aconteceria? daria errado. ele saca a existência humana, sim. ele estudou o psiquismo até surtar e voltar a a realidade. ele é um especialista nessa porra toda. mas a resposta pro teu próprio recheio é você quem tem que dar. a cada dia, meu bem.
</div>
<div style="text-align: justify;">
nessa brincadeira, vou dizer, acabei aprendendo um caminho. um que me disse que, com muito esforço, posso preencher o mundo de sentido e, por consequência, também minha própria vida fica preenchidinha. por que foi esse o caminho? possivel culpar minha raiz judaica recheada de culpa, minha cultura familiar intelectualoide, minha relação precoce com um pseudosocialismo ou uma coisinha chata que é minha mesmo, de ser otimista e responsável por todo o possível ótimo que vejo no futuro. difícil E inútil precisar culpados para essa amálgama que somos. o fato é que chego aqui sendo essa pessoa que chora com qualquer quebra de vínculo, mesmo a morte de um formiga, e que carrega um coleção de dores e enrijecimentos. viver é um esforço. ao menos pra mim. e pra minha testa que já deixa brotar rugas sem nem ter vivido três décadas.
</div>
<div style="text-align: justify;">
e aí, nesse ponto em que minhas articulações e sinapses todas pedem uma vida sem esforço, que fazer? seguir sendo dura e dolorida ou encarar o vazio de viver sem me esforçar?</div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-71236391830586522132013-11-09T19:32:00.004-08:002013-11-09T19:36:05.530-08:00aquelas duas<div style="text-align: justify;">
Eram duas menininhas. Uma com longos cabelos loiros, lisos com apenas um cacho na ponta. Outra com uma vasta cabeleira castanha e olhos gigantes. As duas com as bochechas mais do que rosadas, beirando o roxo. Poderiam ser as personagens de um quadro impressionista. Duas lindas polaquinhas. Quase duas princesas, não fossem as mangas arregaçadas, o suor espalhado pelo rosto, o furo no joelho da calça de uma e a mancha de molho na camiseta da outra. Não fossem os patinetes jogados e as mãos arranhadas de asfalto. </div>
<div style="text-align: justify;">
Eram duas meninas pequenas, com perninhas grossas. Perninhas que naquela época ainda não as faziam pensar em academia, dieta ou plástica. Duas menininhas que de tanto arrastar o pé pelo chão, cansaram de deslizar por aí e sentaram em um banco de concreto encardido. De longe eram apenas duas menininhas cansadas, conversando. Mas quem chegasse perto notaria uma certa seriedade. Uma severidade no ar, um olhar de que está discutindo assuntos sérios. Quem, ainda assim, ousasse chegar mais perto, descobriria que naquele momento eram delineadas as mais sérias decisões para o futuro daquelas duas. Pelo menos naquele momento (mal sabia, probrezinhas).</div>
<div style="text-align: justify;">
As duas estavam sentadas frente a frente e, com pesar, admitiam suas frustrações. Simultanea e compartilhadamente olhavam para suas respectivas vidas e percebiam: Viam como suas atuais companheiras não lhes faziam mais sentir a completude da boa amizade. Davam-se conta de como essa coisa toda de terem melhores-amigas-desde-pequenas às haviam deixado presas. Nesse ponto, as vezes desviavam o olhar, com vergonha de estarem abrindo seus pequenos coraçõezinhos tanto assim. Era bonito, mas fazia doer o buraquinho do coração. Dava medo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas quando se deram conta, definitivamente, que aquilo tudo era compartilhado, fixaram os olhos uma na outra. Não desviaram o olhar, não mais. Se olharam com a profundidade sincera e macia que só é possível quando mesmo o peso da vida é leveza. Se olharam e tomaram a grande decisão. De comum acordo perceberam que era melhor não comunicar às suas respectivas melhores amigas que elas estavam sendo trocadas. Deus sabe o quanto não tinham nem nunca aprenderiam a ter ganas de machucar ninguém. Decidiram que manteriam as coisas como estavam, ou ao menos fingiriam que tudo estava como antes. Mas sempre que se olhassem, saberiam. Lembrariam daquele momento de suor e alma compartilhada. Lembrariam que, sentadas em uma praça, decidiram estar juntas para sempre. </div>
<div style="text-align: justify;">
Quando retomaram os patinetes nas mãos, sentiam-se como um copo quase transbordante. Estavam de braços dados, ainda que não estivessem. Caminharam, entrelaçadas, de volta para casa e como que sabiam de tudo. Sabiam dos sofrimentos que os grandes corações que carregavam ainda lhes infligiriam. Sabiam dos amores e desamores que ainda as fariam sentir-se um copo meio vazio. Sabiam que a vida ia lhes mostrar com todas as letras o que é mesmo angústia. Sabiam que o buraco no coração só faria crescer. E pior. Sabiam que um dia ainda iriam se encontrar em um bar, depois de anos, cada uma em um caminho tão distante e inconciliável. Talvez uma médica ou advogada, casada e com filhos e a outra perdida nos caminhos tortuosos da vida, fazendo algum mestrado em antropologia rural.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas isso pouco importava. Não naquele momento. Ali, bastava a certeza tão clara daquele amor leve e sério, definitivo. Bastava sabem que elas eram duas menininhas. E que estavam juntas. </div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-24467469322783127332013-11-03T17:13:00.002-08:002013-11-03T17:13:39.231-08:00o bonito que guardo em mim<div style="text-align: justify;">
Ok. Admito. Já vivi paixões lancinantes e/ou agradáveis. Já bebi um tiquinho do doce e do amargo. Já tive amores com gosto de açúcar mascavo. O velho papo. Dito isto, posso assumir que já vivi a sensação macia de<i> just-to-love-and-be-loved-in-return</i>. Também já senti a aspereza de amar sem ser amada, quem nunca? E da mesma forma já tive admiradores não correspondidos (malucos ou nem tanto). E, convenhamos, sem falsa modéstia: todo mundo gosta de ouvir declarações, ainda que não esteja interessado no amor que vem de brinde, né?</div>
<div style="text-align: justify;">
Por isso, guardo bem guardado as bonitezas que já ouvi. Ainda que em muitos casos me interessem apenas as palavras. Ainda que, em outros, o tempo as transfigure em feiura. Mas, de todos os homens que já me disseram coisas belas, poderia facilmente escolher um único para enquadrar as palavras e pendurar na minha parede. Porque elas são as mais bonitas que já me dedicaram. Porque ele me concede o amor mais profundo e altruísta que alguém é capaz de dar. Porque ele o faz insistentemente, semanalmente, e pouco se importa se não lhe dou retorno. Porque ele o faz insistentemente a mais de vinte anos. </div>
<div style="text-align: justify;">
Sim, vocês terão de me desculpar, mas meu grande amor é um velho barrigudo, de barba branca, com um temperamento dos infernos. Ainda que as vezes eu não tenha paciência de ouvi-lo. Ainda que as vezes tenhamos vontade de nos esganar mutuamente. Mas, quando todo o resto falha, sei muito bem que segue piscando no horizonte o amor que ele me dedica. </div>
<div style="text-align: justify;">
Sei disso, não nego. Sei que posso maltratá-lo e até gritar com ele, que absurdo, e ele vai seguir me amando. Sei que sempre vou ser eu, palavras dele, que dou as cores para o seu filme. Sei que diante dele sempre serei a menina mais bonita do jardim de infância. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;"> É claro, não posso deixar de mencionar, existem teses apontando ser isso uma simples forma de amor próprio. Afinal, segundo outro membro da prole, sou eu a versão dele "de sainha". Com a coluna em <i>S</i>, a cabeça grande, o temperamento dos infernos, a voz de trovão, a fome devastadora e o tom professoral. Daí também Freud explicaria minha eterna implicância com o sujeito.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas, psicanálises a parte, sei bem que nunca serei presenteada com tamanha boniteza por mais ninguém. Que no meio do inferno que constantemente armamos um para o outro, respira um amor profundo. Respira com a mais tranquila certeza de que vai durar pra sempre. Vai me iluminar pra sempre. Porque não é chama, é farol. </div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-32291300642851993402013-11-01T19:01:00.002-07:002013-11-01T19:01:38.575-07:00Sobre a leveza de sustentar-se.<div style="text-align: justify;">
Estava eu no mais profundo sono sem sonhos, assim pretinho, quando veio me puxar pra superfície a suave melodia do despertador. Não quero, não vou, não posso agora. Vou ficar aqui na pretidão de não sonhar nem pensar. Ainda me doíam no corp'alma as pesadas energias do dia anterior. A incerteza de não saber o que se é, o que se faz naquele lugar cheio de gente. O peso de se manter serena em meio a tanta gente se puxando pra cima e pra baixo. Mas havia sobrevivido e agora estava bem enterradinha na minha cama. Com o peso do corpo bem afundado no macio do colchão. Com o peso da alma bem afundado no macio de não sonhar. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas, os reflexos de menina curiosa que sempre me lembram que há um mundo lá fora me fizeram abrir o olho. Só assim, de cantinho. E pelo cantinho do olho pude ver uma fresta. Só uma pequena frestinha na minha cortina que deixava passar um nesga de sol. E a tentação de suar meu coração pra fora foi maior: levantei, pus minha calça mais confortável, me batumei de protetor solar e sai para uma caminhada. </div>
<div style="text-align: justify;">
E foi então que - pondo o pé pra fora - senti que não ia ser tão simples assim. Podia já ter desafundado o peso do macio, mas isso não fazia com que ele deixasse de existir. A cada passo sentia o peso que estava encravado na minha carne fraca. As chaves e o celular no meu bolso pesavam como sacolas cheias de pólvora. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda assim prossegui, disposta a botar tudo aquilo pra fora dos meus poros e ficar salgada de suor. Como tantas vezes já fiquei salgada de lágrimas. Mas a primeira gota custou a sair. Pensei em correr, mas as forças da gravidade emocional estavam contra mim. Teria que caminhar, passo por passo, até que meu corpo me desse alforria. E, como tudo na vida, a liberdade não veio de repente. A cada passo sentia que vazava de mim um pouquinho do peso da pólvora, um pouquinho daquele peso alheio. E de grão em grão a galinha esvaziou o papo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Chegando, então, ao meu destino, o meu corpo falou mais alto e me joguei deitada na grama. Esvazie ou que me restava de peso no verde macio e abundante. As formigas me subiram pelos braço, os seres humanos me olharam pelos cantos de olhos. Pouco me importava. Havia transplantado a parte de mim que se importa para aquele belo gramado. Estava derretida e feliz. Assim me quedei pela quantidade de instantes que poderiam compor uma hora, quinze minutos ou uma eternidade. E quando me levantei o fiz com um prazer indigno, de quem carrega o signo da leveza costurado frouxo no peito.</div>
<div style="text-align: justify;">
E o caminho de volta foi flutuado. Até corri, de verdade, bem rápido. Dancei e rodopiei, pra alegria dos passantes bem humorados ou debochados. Cheguei na área de alongamento com a profunda certeza de que era alguém mais leve e macia. Os sacos de pólvora haviam ficado para trás e... Qual não foi minha surpresa quando vi que de fato haviam ficado. Meu bolso estava vazio. Em algum momento havia deixado cair meu molho de chaves. </div>
<div style="text-align: justify;">
Pensei em entrar em pânico, pensei em ligar pro meu <i>flatmate</i>, pensei em ir para a casa de uma amiga, pensei em dormir na sarjeta. Até que parei de pensar e, de canto, senti. Senti e disse: vou buscar as chaves. Bem no meio daquele gramado verde e macio, aonde as deixei descansando. Aí, normalmente, se iniciaria a mais complexa conversação interna entre minha razão e minha intuição. Mas a intuição, mulher feita que é, de cara já fingiu que nem ouvia e levou a razão pelas mãos. </div>
<div style="text-align: justify;">
E, bom, maior ainda foi a minha surpresa quando, mais uma vez, atravessei o percurso de meia hora dançando e rindo. Como quem aproveita o lindo momento de ter acabado de perder a chave no meio de um parque. E mais lindo ainda foi o momento de encontrar meu molhinho de chave reluzindo ao sol, exatamente aonde estava eu esparramada anteriormente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Já atrasada para alguma coisa, me deitei de novo, abraçada ao molhinho. Senti o sol me queimar e evaporar o últimos resquícios do que não queria dentro de mim. E a volta? Bom, essa foi dançada como são as boas coisas da vida. Com dores nas pernas e queimaduras nas costas, mas com um molhinho de chaves assim, levinho e macio, rodopiando na ponta do dedo. </div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-52924321016019037622013-10-27T18:26:00.000-07:002013-10-27T18:26:50.998-07:00"O silêncio é a profunda noite secreta do mundo"<div style="text-align: justify;">
As vezes preciso de barulho. Me encantam as confusões agradáveis com suas intensas trocas. Me agrada colocar todo o meu ruído interno pra dialogar com outros tantos ruídos. Mas as vezes tenho ganas de viver em silêncio. O silêncio pode ser tão bonito. É aquela coisa toda do copo meio-cheio-meio-vazio, sabe? </div>
<div style="text-align: justify;">
Não? Tá, talvez eu também não saiba. Mas sei que um bom silêncio pode me matar a fome de tudo, a fome de mundo, de quando em vez. Gosta daqueles silêncios leves e suaves. Aqueles que te olham e te dizem: está tudo bem, não há mais nada a dizer ou fazer. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas existem silêncios e silêncios. Não gosto de silêncios mal resolvidos (quem gosta?). Especialmente, me doem aqueles silêncios angustiados, em que alguma das partes tem um buraco a ser preenchido e a outra não pode fazê-lo. Ou não quer. Me incomoda não saber preencher buracos que anseiam por recheio. Ainda que acredite na política da laranja inteira (cada um com seu buraco/cada um com seu recheio), não tenho a dignidade de olhar pra esses silêncios e dizer "é isso aí". </div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Me dói. Sinto como uma câimbra no pequeno buraco que carrego no peito. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Talvez seja porque nasci e cresci no meio de um barulho tão intenso. Um ruído louco e compartilhado em que todos se machucavam e se acarinhavam com palavras diariamente, simplesmente por se amar tão intensamente. E não saber muito bem o que fazer com isso. </div>
<div style="text-align: justify;">
Posso dizer que cresci em meio ao que hoje chamaria de uma barulheira infernal. Mas que, estranhamente, foi o que me fez o que sou. Serena em meio ao caos, caótica me meio à mansidão. Um poço de contradições, como diria minha mãe. Foi essa barulheira que me deu, também, aquilo que mais precisava. Que carrego com orgulho. Aquilo que todos os pais deveriam dar à seus filhos. Raízes e asas. </div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-10686810216260984012013-10-21T13:55:00.000-07:002013-10-21T13:56:59.335-07:00Era uma menina.<div style="text-align: right;">
<i><span style="font-size: x-small;">Engole seu coração e se ama por dentro </span></i></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-size: x-small;">Caio Fernando Abreu</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Era uma vez uma linda menina. Linda de tudo. No jeito de andar, de dançar. No jeito de sentir. No jeito leve de usar as mãos para tocar os outros, tocar o mundo. Linda no jeitinho de se vestir. Linda quando balançava o cabelo dourado. Linda quando sorria. De todos os tipos de lindeza, só lhe faltava uma: aquela lindeza tranquila e macia de quem sabe que o é. </div>
<div style="text-align: justify;">
E assim caminhava pelo mundo. Linda que era, não deixava de cativar as atenções de uns mocinhos. Eles a olhavam, gostavam do que viam. Se aproximavam, ela gostava do que via também, então. E assim, já sabemos, começava. E depois terminava, pois como tudo nessa vida os amores tem começo, fim e às vezes meio. E quando acabavam a menina costumava chorar, como é por bem se fazer quando se tem um coração assim, bonito. E quando chorava se sentava diante do espelho e se perguntava o que havia dado errado. Se perguntava e se respondia: deve ser isso aqui, que me sobra. Ou aquilo outro, que me falta. Deve ser a lindeza que anda me faltando.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em pouco tempo já estava burlando o mandamento número um da boniteza do mundo: "não cobiçaras as lindezas do próximo". Mal sabia que isso era proibido não porque era pecado, coisa de gente invejosa. Não porque tamanho olho gordo podia deixar o próximo (ou a próxima) com a boca torta. Era proibido porque, cobiçando a lindeza dos outros, você estava amassando a sua e jogando-a bem no fundo, no cantinho de si mesma. </div>
<div style="text-align: justify;">
E com sua lindeza, enorme que era, amassada bem no fundo do seu ser, a menina continuou a caminhar pelo mundo. E os mocinhos já não olhavam tanto, o que a fazia amassar-se um pouco mais. E quanto mais a amassava, menos os mocinhos se aproximavam. E quanto menos se aproximavam, mais ela amarrotava seu serzinho. E foi ficando, assim, um serzinho, bem pequenininha. E com um buraco doído no meio do peito, que latejava a cada vez que seu coraçãozinho amarrotado batia. </div>
<div style="text-align: justify;">
Um dia, se enraiveceu. "Pra que me serve esse negócio, que não cessa de bater? Pra nada, só pra doer!". É, foi assim mesmo, parafraseando o falecido mestre sem nem saber, que ela decidiu. Decidiu que não queria mais. Não queria mais doer. Não queria mais sentir. Não queria mais aquele bendito e bonito coração. Sem pestanejar enfiou as mãos bem fundo no meio do peito. Usou as unhas e os dentes com força contra si mesma, até que conseguiu arrancar o malfadado coração. </div>
<div style="text-align: justify;">
E então, sentou-se no meio fio e ficou olhando o ser vermelho e palpitante - que palpitava, ainda, meio manco, mas já não doía mais. E ficou olhando a criatura bonita e encarnada de sangue. E aí, ninguém sabe bem o que aconteceu. Não se sabe se foi um acesso de canibalismo, uma fome de mundo repentina, um impulso antropofágico ou aquele desespero de socorro-já-não-estou-sentindo-nada que bateu na menininha. Só sei dizer que foi definitivo: ela abriu a maior boca que tinha e engoliu de uma mordida só o bem fadado coração. Engoliu e, nem bem terminara de saboreá-lo, viu que já não estava mais encolhida e amarrotada. Estava como recém saída da lavanderia. Estava linda e inteira, como não podia deixar de ser. Afinal, engolira seu belo coraçãozinho e agora... Ah, agora se amava por dentro, e com muito gosto. </div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-1314584313989311412013-10-21T10:33:00.003-07:002013-10-21T10:36:14.578-07:00É nóis na Gazeta. Sobre professauros. <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://i1285.photobucket.com/albums/a585/atuapr/PAacuteGINAATUACcedilAtildeOUNIVERSITAacuteRIA3311-page-001_zpsc23a43e3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="http://i1285.photobucket.com/albums/a585/atuapr/PAacuteGINAATUACcedilAtildeOUNIVERSITAacuteRIA3311-page-001_zpsc23a43e3.jpg" width="567" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
Ou pelo <a href="http://i1285.photobucket.com/albums/a585/atuapr/PAacuteGINAATUACcedilAtildeOUNIVERSITAacuteRIA3311-page-001_zpsc23a43e3.jpg">link</a>, fica mais fácil.</div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-18032861981453973712013-10-16T16:54:00.000-07:002013-10-16T16:54:04.432-07:00classificação morfossintática dos (des)amores. <div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Existem amores fulminantes e amores tranquilos. Existem amores inteiros, existem amores divididos. Existem amores pretensamente eternos. Existem amores infinitos enquanto dura a chama. Existem amores antigos, em que a chama evolui para uma outra espécie, sobre a qual não posso discorrer por desconhecimento. </div>
<div style="text-align: justify;">
Existem amores do tipo oásis, que se compõem de um penoso caminho seguido de um milagroso gole que parece refrescar o corpo e a alma por inteiro. Mas as vezes, gostoso que é, esse gole não mata a sede, só a multiplica. </div>
<div style="text-align: justify;">
Existem, ainda, amores do tipo bonde. Nestes, já na aproximação você antevê o atropelamento e pensa "ai, essa vai doer". Mas estranhamente não há força que te arranque do meio daquele trilho. Ao contrário, você abre os braços e espera calmamente pelo impacto. E depois, quando você consegue se levantar dos trilhos, esmagado, em geral carrega alguns ossos quebrados, um aperto no coração, uma vontade louca e um poema. Esses eu costumo registrar no meu caderno da vida ao lado de uma anotação dizendo - com a licença do empréstimo ao falecido mestre - "na passagem do furação ...". Belíssimos furações com nome, sobrenome e o poder de deixar um gostinho agridoce na boca. </div>
<div style="text-align: justify;">
Também existem os amores do tipo balão-de-ar-quente. Nestes geralmente dois indivíduos se propõem a entrar no cesto e se encarar, olho no olho. E no meio disso, algo acontece: a maçarico acende e o ar quente ascende. E juntos os dois indivíduos voam, olhos nos olhos, apenas desviando o olhar vez por outra para notar que linda é a paisagem que se forma em volta. Esses balões em geral pousam devagar e macio. As vezes na saída do cesto ocorrem alguns arranhões. Mas passada a dor, fica a boniteza de olhar pro horizonte e lembrar do seu balão voando e do ser que te acompanhou nessa jornada. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas também existem amores do tipo balão-de-gás-hélio. Quanto a esses recomendo cuidado: inicialmente nos lembram muito uma viagem em balão de ar quente, mas logo percebemo aonde estamos e vemos que um balão de gás hélio não é capaz de aguentar o peso de duas pessoas. Assim, por mais que a vista seja bela, eles podem estourar quando atingem a atmosfera, levando os dois indivíduos ao chão com uns bons ferimentos. Ou, o pior. Quando você se dá conta, o outro que estava ali contigo já soltou da cordinha a poucos metros do chão e, além de cair, você cai sozinho. </div>
<div style="text-align: justify;">
Entre os perigosos existem também os amores do tipo pedestal, do tipo casadinho-de-goiabada (que é doce e grudento mas esfarela na primeira intempérie) ou mesmo do tipo cancerígeno. Mas desses tampouco me ocupo pois, felizmente, nunca os experimentei. </div>
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Mas, dentre todos os tipo de amor, devo dizer que os meus favoritos são os amores de tipo efêmero. Estes podem chegar fulminantes ou mais suaves. O que os caracteriza é uma doçura com gostinho de café, uma sensação de completude, um afeto manso e uma clara noção de começo, meio e fim. Geralmente terminam com um afetuoso "até mais ver" ou um gostoso "boa viagem, se cuide". Deixam um saudade amena, que é como lembrar do sabor de algo gostoso quando sentimos um cheiro. Mas aí percebemos que somente sentir o cheiro já nos encheu de plenitude. Estes, sempre se vão. Fica, apenas, a boniteza de ter sentido. </div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-61391282747162576262013-10-15T10:15:00.000-07:002013-10-15T10:15:44.713-07:00Reclamo porque amo.<div style="text-align: justify;">
Reclamo porque se não o fizesse não seria professora. Reclamo dos salários, reclamo das condições de trabalho. Reclamo das políticas públicas, do governo do estado, da prefeitura e mais ainda de outras prefeituras que vejo por aí. Reclamo da postura dos pais, que não colocam limites. Reclamo dos adolescente, benditos. Reclamo até das crianças, de quando em vez. Às vezes reclamo dos colegas - ainda que ultimamente tão pouco. Vivo reclamando por melhores condições e um reconhecimento verdadeiro para aqueles que cumprem o malfadado ofício. Porque ser professor é ingrato. É querer mudar o homem, e querer mudar o homem é querer mudar o mundo (pode rir da minha cara agora, não me importo). E querer tudo isso, no mundo/país em que vivemos, é estar destinado a sofrer. Porque ensinar é aprender e aprender é sofrer. Porque não conseguir ensinar é aprender e sofrer ainda mais. E não conseguir faz parte da vida de quem lida com gente. Com gente pequena, então, há que se carregar mentalmente um catálogo de "planos B". Há que se virar em três. Há que se ensinar algo a alguém e ensinar esse alguém a não se tornar um algo - nem fazer isso com o outro. E para isso tudo, só tendo muita energia. Só tendo muita vontade. Só tendo muito amor. </div>
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E me perdoem se parece "pieguismo pedagógico", mas falo de uma <a href="http://brincandante.blogspot.com.br/2013/08/hoje-nao-vou-dormir.html">amor maduro</a>. Um amor sem ingenuidades. Um amor carregado do mais forte respeito pela infância e pelo ser humano que ela carrega. Um amor que te faz, mesmo cansado e maltrapilho, soltar os sorrisos e risadas mais sinceros no seu local de trabalho. Um amor que te faz sentir uma felicidade autêntica quando você vê um aluno avançando a partir do andaime que você ajudou a construir. Um amor que te liga as "tuas" crianças, ainda que elas passem de ano e você fique. Um amor que te faz continuar. Mesmo que reclame. Aliás, um amor que te faz reclamar, justamente por saber porque aquilo tudo é tão especial. Justamente porque, mesmo sendo tão difícil, você não largaria o osso por nada. </div>
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Eu reclamo, porque se não o fizesse não seria professora. Mas amo, porque se não o fizesse não seria quem sou. </div>
Feldmanhttp://www.blogger.com/profile/04334200464004837631noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4530155037749063326.post-27262131566544055102013-10-09T09:31:00.001-07:002013-10-09T16:02:07.362-07:00Belo belo belo, tenho tudo quanto quero. <div style="text-align: justify;">
Sempre creditei meu amor pela arte a minha delicada mãezinha. De fato, a moça do cabelo de macarrão sempre me levou aos museus e me apresentou as belezas de Monet, Degas, Renoir e outros nomes que não se falam como se lê. Talvez até, de maneira inconsciente, me ensinou aquele diletantismo delicado de quem vai ao museu: o olhar de perto, o olhar de longe, o coçar o queixo e com uma expressão facial demonstrar seu juízo sobre a obra. Sem dúvida a moça do cabelo de macarrão, com seus programas culturais, me alfabetizou nesse mundo. </div>
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Orgulhosa, as vezes me questionava: como, da fórmula [mesma barriga + mesmo capital cultural], saíram dois seres tão distintos como eu e o ogro do meu irmão? "Pfffff... Isso é arte? Eu também faço um desses, ó!", dizia, diante de obras contemporâneas. E eu com minha coçadinha no queixo mantinha o silêncio e balançava minha cabeça, desesperançada. </div>
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Enfim, aceitei as discrepâncias do destino. Aceitei ser irmã de um ogro. Segui visitando meus museus, e ele seguiu vendo seus jogos de futebol. Mas a verdade é que somente muito mais tarde eu fui perceber o que realmente era apreciar a beleza da arte. E quando percebi vi que, certamente, a alfabetização com a moça do cabelo de macarrão foi essencial. Só que me dei conta que, mais do que conhecer nomes e escolas, viver a arte era sentir. Suspender o olhar cotidiano. "Deixar que as coisas se aproximem de nós", como já disse o meste. E aí, pasmem, me lembrei do meu querido irmão-ogro. </div>
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Ogro que é, nunca se sentiu bem em museus ou em quaisquer lugares refinados. Mas tinha a estranha mania de me levar para dar a volta na quadra e ver a lua. Quem sabe andar até o fim da rua para ver onde terminava. Ou então, inventar histórias de animais voadores e mágico, simplesmente olhando nossa gatinha de estimação. </div>
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Os sinais sempre estiveram ali. Mas somente hoje fui ver - quando cheguei sem querer ao fim de nossa rua - que, na verdade, meu caro irmão-ogro tem lá sua delicadeza. E se a moça de cabelo de macarrão me familiarizou com os museus, ele foi quem me ensinou a fazer da vida uma imensa experiência estética. A cada esquina, a cada lua cheia, encontrar o belo. Por mais ogro que seja, sem nem perceber. </div>
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