quinta-feira, 5 de outubro de 2017

eu e meu ingreis

gente, já falei que ser gringa cansa. mas vou falar pra vocês: também dá uma vergonha às vezes. aquela sensaçãozinha que eu tive, na primeira vez que tentei comprar um sanduíche e não entendi nada nem me fiz entendida? mal sabia: é a coisa mais corriqueira na minha vida. 

logo eu, que falo mais que o homem da cobra e tenho opinião pra tudo, de repente deixei de ser entendida. quer dizer, não é uma torre de babel desatada, as pessoas costumam me entender. e é justamente esse o problema. explico...

eu tenho um sotaquinho brasileiro bem discreto. veja, não é uma escolha que eu fiz, de disfarçar meu brasileirismo. minha roomate turca fala um inglês impecável com sotaque turco, e é uma coisa linda de se ouvir. queria eu ter um inglês correto com um sotaque só meu. mas meu cérebro aprende línguas mimetizando. eu tenho o instinto de imitar o sotaque alheio. nesse caso, o sotaque de todos os personagens de filmes e seriados americanos que eu vi na vida, mais o de uma roomate californiana.

pois bem, com essa amálgama confusa, as pessoas me ouvem e sabem que eu não nasci aqui. mas não percebem ou não se lembram o tempo todo que eu acabei de chegar. e aí quando eu troco os pés pelas mãos e falo algo estúpido, elas simplesmente sorriem amarelo. 

esses dias, por exemplo, estou conversando com um colega que vem de patins para a faculdade. eu quero dizer que deve ser um exercício bom para o equilíbrio e fortalecimento do core, colocando minha mão no umbigo e achando que fui entendida. todos os coleguinhas na roda sorriem amarelo. depois me dou conta que algum embaralho na minha fala deu a entender que devia ser bom pra perder a barriga que meu coleguinha tinha. 

e o mais chato desse tipo de gafe é que quando você percebe, já não dá pra corrigir porque o assunto passou. ou a gafe é tão absurda que as pessoas pergunta QUE e você explica, mas aí você já virou um avestruz e enfiou a cabeça na terra. tipo quando eu dei a entender que pessoas brancas tem a responsabilidade de ter privilégios (?????). 

pois sim, é o caos. e se isso é complicado, imagina aquelas situações que você quer parecer descolado. prefiro nem pensar. 

e enquanto não penso, tento me concentrar em ouvir mais e falar menos. quem me conhece sabe que é um ótimo exercício pra mim em qualquer língua. mas em inglês não tem sido uma opção: vou ter que ficar quieta pra, quando falar, fazer mais sentido. 

ao mesmo tempo, fico falando comigo mesma dentro da minha cabeça em inglês. quer dizer, venho fazendo isso como uma espécie de exercício desde o primeiro dia. mas aos poucos, alguns pensamentos estão fluindo naturalmente nessa língua enrolada. várias palavras já fazem mais sentido em inglês, como sempre me acontece quando eu mergulho em outra língua. e, como já estou cheia de preocupações, meus delírios/pensamentos semi-despertos na insônia já são em inglês. 

mas, o melhor de tudo aconteceu essa noite. quer dizer, eu acho que aconteceu. só sei que acordei com a lembrança de uma policial, interpretada pela mesma a mulher que passa meu cartão no refeitório na hora do almoço. a que me corta quando eu explico como funciona meu cartão, dizendo que se lembra de mim, sem nunca deixar claro se isso é uma expressão de simpatia ou de desconfiança. no meu sonho, ela me revistava e depois me entregava lencinhos umedecidos para clean your tush.

e eu não quero nem saber o que meu amigo Freud tem pra dizer sobre isso. apenas fico satisfeita em saber que, pelo jeito, estou sonhando em inglês. 


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