domingo, 14 de outubro de 2018

àqueles que cresceram comigo

estar longe do Brasil é uma experiencia carregada de dor e amor pra mim. tem sido assim desde que sai a primeira vez, em setembro do ano passado - ainda que em alguns momentos eu esteja mais consciente disso. mas o peito carregado de saudades constantes é muito diferente do que senti na última semana. nada doi mais do que ver seres humanos com sua existência em risco ao mesmo tempo que vejo pessoas com quem cresci escolhendo colocá-los em risco. em nome da economia ou de se livrar do inimigo politico. 

já faz um tempo, imagino, que eu me tornei o inimigo para estas pessoas. nunca quis que isso acontecesse, mas talvez não exercitei o diálogo suficientemente para evitá-lo. por outro lado, precisava seguir existindo, sendo fiel ao que sou. e meu corpo político pode gerar as mais diversas reações, entre elas intimidar o outro, impedí-lo de dialogar comigo. sinto um misto de culpa, dor, desesperança, medo e cansaço. mais que tudo, sitno desejo fazer algo, vontade de estar no Brasil.

queria poder olhar nos olhos daqueles que visitaram campos de concentração comigo e agora aplaudem ou ignoram discursos facistas. aqueles que foram educados, melhor do que ninguém, sobre os riscos de deixar a violência acontecer, de autorizar a opressão da alteridade. os mesmos que nao exitaram em colocar o rotulo de petralha em mim e meus amigos e nos mandar de volta para Cuba - simplesmente porque defendemos redistribuicao de renda e eles defendem crescer a bolo antes de dividir os pedaços. 

eu acredito na divisão justa antes, durante, e depois do crescimento e gasto meus dias estudando pra te provar que esse é o caminho. mas posso entender, aceitar, dialogar com sua crença num crescimento que precisa vir antes. só não posso, nem nunca vou aceitar que voce coloque isso acima da dignidade humana, dos direitos das mulheres, das comunidades, da populacao pobre. que voce passe por cima de suasticas tatuadas na barriga, garrafadas no pescoco, linchamentos, apologia ao estupro, racismo.  

quando eu trabalhava no museu do holocausto, enchia a boca para falar sobre Heinrich Heine - o sujeito que viu livros sendo queimados na Alemanha e avisou que o pais terminaria queimando pessoas. eu fazia isso semanalmente com todo o orgulho do meu trabalho e da minha comunidade que o permitia acontecer. mas meu orgulho virou vergonha e questionamento profundo da comunidade que me fez quem eu sou. porque agora vejo que pessoas com quem cresci nao entenderam nada. em nome da economia e do fim dos vermelhos, elas sao capazes de deixar queimar os livros.  

e do fundo do meu coracao, nao desejo que ninguem precise se arrepender no futuro. porque quero sempre o melhor para o Brasil e os seres humanos que nele habitam. desejo amor, tranquilidade e um prato cheio de comida para todas as pessoas, independente de suas opcoes eleitorais. para aqueles que cresceram comigo, nao temo pela falta de pratos de comida. talvez pela tranquilidade, de ver a violencia autorizada pelo seu voto. e quanto ao amor, faz tempo que nao sei por onde anda. se encontrarem, me avisem. 

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