quarta-feira, 16 de outubro de 2013

classificação morfossintática dos (des)amores.

  
  Existem amores fulminantes e amores tranquilos. Existem amores inteiros, existem amores divididos. Existem amores pretensamente eternos. Existem amores infinitos enquanto dura a chama. Existem amores antigos, em que a chama evolui para uma outra espécie, sobre a qual não posso discorrer por desconhecimento. 
  Existem amores do tipo oásis, que se compõem de um penoso caminho seguido de um milagroso gole que parece refrescar o corpo e a alma por inteiro. Mas as vezes, gostoso que é, esse gole não mata a sede, só a multiplica. 
  Existem, ainda, amores do tipo bonde. Nestes, já na aproximação você antevê o atropelamento e pensa "ai, essa vai doer". Mas estranhamente não há força que te arranque do meio daquele trilho. Ao contrário, você abre os braços e espera calmamente pelo impacto. E depois, quando você consegue se levantar dos trilhos, esmagado, em geral carrega alguns ossos quebrados, um aperto no coração, uma vontade louca e um poema. Esses eu costumo registrar no meu caderno da vida ao lado de uma anotação dizendo - com a licença do empréstimo ao falecido mestre - "na passagem do furação ...". Belíssimos furações com nome, sobrenome e o poder de deixar um gostinho agridoce na boca. 
  Também existem os amores do tipo balão-de-ar-quente. Nestes geralmente dois indivíduos se propõem a entrar no cesto e se encarar, olho no olho. E no meio disso, algo acontece: a maçarico acende e o ar quente ascende. E juntos os dois indivíduos voam, olhos nos olhos, apenas desviando o olhar vez por outra para notar que linda é a paisagem que se forma em volta. Esses balões em geral pousam devagar e macio. As vezes na saída do cesto ocorrem alguns arranhões. Mas passada a dor, fica a boniteza de olhar pro horizonte e lembrar do seu balão voando e do ser que te acompanhou nessa jornada. 
  Mas também existem amores do tipo balão-de-gás-hélio. Quanto a esses recomendo cuidado: inicialmente nos lembram muito uma viagem em balão de ar quente, mas logo percebemo aonde estamos e vemos que um balão de gás hélio não é capaz de aguentar o peso de duas pessoas. Assim, por mais que a vista seja bela, eles podem estourar quando atingem a atmosfera, levando os dois indivíduos ao chão com uns bons ferimentos. Ou, o pior. Quando você se dá conta, o outro que estava ali contigo já soltou da cordinha a poucos metros do chão e, além de cair, você cai sozinho. 
  Entre os perigosos existem também os amores do tipo pedestal, do tipo casadinho-de-goiabada (que é doce e grudento mas esfarela na primeira intempérie) ou mesmo do tipo cancerígeno. Mas desses tampouco me ocupo pois, felizmente, nunca os experimentei. 
  Mas, dentre todos os tipo de amor, devo dizer que os meus favoritos são os amores de tipo efêmero. Estes podem chegar fulminantes ou mais suaves. O que os caracteriza é uma doçura com gostinho de café, uma sensação de completude, um afeto manso e uma clara noção de começo, meio e fim. Geralmente terminam com um afetuoso "até mais ver" ou um gostoso "boa viagem, se cuide". Deixam um saudade amena, que é como lembrar do sabor de algo gostoso quando sentimos um cheiro. Mas aí percebemos que somente sentir o cheiro já nos encheu de plenitude. Estes, sempre se vão. Fica, apenas, a boniteza de ter sentido. 

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