quinta-feira, 21 de setembro de 2017

sobre ser estrangeira

desde muito antes de sair do Brasil, eu venho pensando na consistência do que é ser estrangeira. pensava que seria uma boa oportunidade de sentir saudade. um espaço em potencial para fortalecer minha identidade. pelo lado judaico, meu pai sempre me fez entender que a alteridade pode ser um elemento fortalecedor da identidade. ficava pensando: será que pra minha brasilidade vai acontecer o mesmo? 

e, bem, não é algo que eu possa dizer agora. não tive muito tempo de pensar no Brasil. não tive tempo, sinceramente, de sentir saudades. em alguns momentos senti que seria bom ter o aconhechego de alguém do meu antigo lugar. em outros, fiquei feliz de estar conectada com quem amo. mas houveram momentos em que eu simplesmente não tinha energia para me comunicar. queria silencio. 

porque a verdade é essa: ser estrangeiro cansa. 

no momento em que pisei nos Estados Unidos eu já podia ter percebido isso. mas, quando o moço da imigração me deu uma dura porque esqueci um documento, eu achei que estava sentindo desamparo. nada mais natural, já que eu acabara de sair de uma colcha de amparo tecida com muito amor.
mas o tempo foi me mostrando que o sentimento cotidiano mais difícil é o cansaço. um que vem da dificuldade de desempenhar até as tarefas mais simples. perceba: no meu primeiro dia na universidade tive que fazer um esforço sobre-humano para comprar um sanduíche. a moça não me entendia e, principalmente, eu não a entendia. eu, do alto do meu currículo de professora-de-inglês terminei comendo algo absolutamente diferente do que imaginei. 

mas é que a língua, parece, é apenas uma das barreiras. você precisa entender a língua cotidiana falada rápido com um sotaque específico. você precisa entender o próprio cotidiano e seus rituais. 

você precisa entender coisas como:
-que tipo de estabelecimento vende adpatadores de tomada?
-que seção do mercado vende aveia?
-qual a palavra usada para saudar pessoas em e-mails informais?
-qual a maneira formal-mas-não-tanto de encerrar um e-mail para seu professor?
-qual o tamanho de um café pequeno? 
-onde é possível encher os pneus da sua bicileta?
-bicicletas circulam nas calçadas ou nas laterais das ruas?

claro, nenhum drama. coisas de uma menina privilegiada e não de um imigrante que precisa sobreviver. mas é uma maquinação cerebral constante. e em outra língua. você chega no fim do dia e não consegue nem falar às vezes .

o que me faz pensar no nível de stress que um imigrante passa. ou um refugiado que estava a mercê em um lugar e continua vulnerável em outro. penso mesmo naquela moça síria que me vendia um café com cardamomo delicioso atrás da Santos Andrade. que me chamava de habiba e me desejou muita sorte e luz quando eu disse que vinha para cá. 

o que eu estou vivendo não chega nem perto do que ela deve ter passado. coisa que eu nunca vou saber ou entender do alto do meu privilégio. mas ela, do alto de um coração grande, entendeu que eu ia enfrentar um desafio, por menor que fosse. achou justo sair de trás do balcão e me abraçar. 

eu só espero que, quando esse cansaço passar, eu também possa ter um pouco dessa energia multiplicadora. de saber olhar para as pessoas com amor. de poder se doar.

por ora, vou focando em entender as pequenezas desse mundo estranho. 





2 comentários:

Tais disse...

Amei!!!!

serfeld disse...

Meu amor, minha filha linda e tão sensível.
Fala de si mesma e nunca deixa de falar dos outros, da alteridade, dos menos favorecidos. Sua sensibilidade é algo especial, raro.
Eu fui estrangeiro em Israel, na universidade de Tel Aviv, mas tinha a familia Berger, tão acolhedora e o pessoal do Dror no kibutz.
Assim sendo não faltou com quem falar e ter afago. Sua situação é diferente, mas você foi muito mais treinada e preparada para o mundo.
Voce é do mundo. Aprendeu cedo a VOAR. UF GOZAL (voa passarinho).
Está há anos na "estrada" e é muito mais articulada que seu paizão.
Sei que é dificil. Mas é muito bom aprender e conhecer mais horizontes.