segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

(L)

Não sou das que gostam de fins de ano e fogos e espumantes e festa louca. Quer dizer, até gosto da festa, mas não faço tanta questão que aconteça no dia 31. Não acho que uma mudançazinha no calendário faça tanta diferença. Assim como acho engraçado como nos parabenizamos por aí por ter nascido (a única coisa na vida pela qual não podemos ser responsabilizados). Mas, pseudo-intelectualices a parte, sei de uma coisa: esses ritos de passagem são os únicos momentos em que podemos, sem receio, escrever algo lá do fundo pras pessoas a quem queremos dar amor. E eu, escrevedora e manteiga derretida que sou, as vezes aproveito essas oportunidades. 

Todo esse prelúdio (estou ficando cada vez mais professoral) pra dizer que:

Esse era o ano do desastre. O ano da depressão. Nesse ano fui no cardiologista, porque achei que meu coração ia sair pela boca. Nesse ano estive em lugares dos mais lindos, pensando em tanta coisa feia. Esse ia ser um ano perdido.

Mas não. 

Depois de viver um melhor-último-domingo-do-ano, ainda posso dizer que muita coisa boa vai acontecer em 2014. O ano termina com meu coração repletinho de amor até as bordas. Amor de tanta gente. 

Amor daquela gente que me aguentou no fundo da fossa, chorando as pitangas sem ter por onde terminar. Dos que me explicaram que era só manter a calma, a lua estava cheia, estávamos passando pelo retorno de Saturno. Daquela gente que fingiu que não ouvia as pitangas mas ficou do meu lado tentando me mostrar outras coisas. Das pessoas maravilhosas que comecei a descobrir quando consegui lavar a cara e olhar pra fora. Daquelas que me encontraram no meio desse caminho e mostraram que era simples: bastava manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo. Dos que me mostraram que D'us dá na hora que mais se precisa (a gente acreditando nele ou não). Daqueles que nunca deixam de me amar, mesmo eu sendo ausente e terrível. Das pessoas que nem conhecia e que ganharam um lugar de honra na minha vidinha. Dos velhos amigos que, mesmo aparecendo de vez em quando, me alumiam até dizer chega. Dos novos roomates, dos novos colegas de trabalho e todos esses presentes que eu não podia esperar ganhar, assim, de graça.. 

Nesse momento, se fosse eu um pouco mais hippie, estaria gritando por aí "GRADITÃO! GRADITÃO!". Porque se bobear é o que sinto. Mas não vou fazer isso, porque sou uma pessoa mundana, terrena e que come carne. Mas de uma coisa sei: todo esse amor que recebi, mando de volta. 

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

contos efêmeros I - com um balão só, já dá pra voar?

 Clicou em finalizar compra com a relutância de quem é vivo, mas com a certeza de quem já analisou suas opções incontáveis vezes. Ia fazer esta viagem. Estava decidida. Soube, em verdade, desde o momento em que ouviu a notícia, que tomaria esta atitude. Ainda que tenha perguntado o que mesmo aquele homem havia dito e por alguns segundos não tivesse acreditado. Ainda que não soubesse exatamente o que iria fazer, sabia. Teve a certeza incerta de que faria essa viagem. Teve a certeza que seria a senhora desta jornada.
Senhora de si. Sempre havia sido a senhora de si mesma, por que agora seria diferente? Nunca havia deixado nem ele, aquele que tanto amou, interferir em suas decisões. Estava sempre disposta a estar na companhia dele e de todos aqueles que carregava no coração, mas sempre alcançou o que queria por conta própria. Egoísta? Não. Vivia com a responsabilidade de quem faz porque acredita. Em si, nos outros. Acreditava, acima de tudo, que o mundo tinha tantas possibilidades e que jamais abriria mão de abocanhá-las por estar presa a alguém, a algo, a algum lugar. Não tinha raízes. Mas isso não quer dizer que não amava. E como amava. Os seres que a cercavam, ele especialmente. Tanto que a última coisa que fez antes de se dirigir ao aeroporto foi deixar uma mensagem.

MEU CARO,
VOCÊ ME DEU TODA A FELICIDADE QUE PODERIA PEDIR. VOCÊ FOI PARA MIM TUDO QUE ALGUÉM PODIA SER. MAS SOU EU A SENHORA DO MEU PRÓPRIO CAMINHO, POR ISSO PRECISO IR. FICA COMIGO A CERTEZA DA SUA BONDADE. FICA CONTIGO TODO MEU AMOR.
A.

Feito isto, tomou seu rumo. A cada passo em direção à porta de embarque, sentia-se entornar quilos de peso pelo chão. Sabia que alguém iria recolher aquilo que deixava pra trás, e com pesar. Mas ela havia decidido que aquele fardo não carregaria. Se tornar um fardo sempre lhe pareceu o pior de todos os fardos.
Despachou a mala com todo o peso que tinha nas costas, sabendo que não iria retirá-la em seu destino. O resto de peso que ainda carregava foi ficando pelo caminho: no avião, no taxi, na agência de turismo – alguns quilos com o dinheiro com que pagou o aluguel do balão - e o último tantinho do lado de fora do cesto, depois de ouvir as últimas instruções sobre como fazer pousar um balão de ar quente. Ouviu com a atenção de quem sabe que não vai precisar daquilo, mas está de corpo e alma presente por que não carrega mais nada além de si.
Acendeu o maçarico, como lhe haviam ensinado. O ar quente subindo e junto seu corpo, com alma e tudo dentro. Sentiu-se subir, flutuar, lembrando-se vagamente de como a ideia da morte a havia atingido com um peso aterrador. Foi esmagada no exato momento em que ouviu “câncer” e se enxergou presa a uma cama de hospital. Mas não. Agora o peso ficara pra trás. A dor agora havia virado poesia, como uma cicatriz que de canto sorri. Sorriu ela também. E com a lucidez dos que sabem o que fazem, assumiu a morte com a leveza de quem voa.



Dearest,
I feel certain that I am going mad again. I feel we can't go through another of those terrible times. And I shan't recover this time. I begin to hear voices, and I can't concentrate. So I am doing what seems the best thing to do. You have given me the greatest possible happiness. You have been in every way all that anyone could be. I don't think two people could have been happier till this terrible disease came. I can't fight any longer. I know that I am spoiling your life, that without me you could work. And you will I know. You see I can't even write this properly. I can't read. What I want to say is I owe all the happiness of my life to you. You have been entirely patient with me and incredibly good. I want to say that — everybody knows it. If anybody could have saved me it would have been you. Everything has gone from me but the certainty of your goodness. I can't go on spoiling your life any longer.
I don't think two people could have been happier than we have been.
V.

terça-feira, 1 de julho de 2014

viver é um esforço

nem todo mundo nasce com recheio. nem todo mundo consegue descobrir seu recheio sozinho. nem todo mundo é capaz de encontrar o que lhe recheie alí dentro de si mesmo. e, pra falar a verdade, se é que ela existe, provavelmente essa coisa de se rechear nunca acaba. um desgosto para os que esperam, mas acho que nunca chega o dia em que dizemos "pronto, me encontrei". e, se dizemos, mordemos a língua na sequência. sentir-se um pessoa inteira, duas-bandas-com-recheio-cremoso, não é uma tarefa findável (e que tarefa realmente importante é?). é construir, desconstruir, reconstruir, implodir, consertar, construir mais, reformar, construir uma novo andar a cada dia, trabalhar no acabamento, só para desconstruir tudo de novo no dia seguinte.
e, o pior: sem receita-de-bolo. a gente pode chacoalhar o analista e implorar, "me diga o que fazer". ele não vai dizer. se disser, ele não é, de fato, um analista. estes nunca te dizem o que fazer- não dá pra ignorar que o barbudinho era judeu e nós sempre respondemos com perguntas. mas, freudices a parte, se ele te dissesse o que fazer, sabe o que aconteceria? daria errado. ele saca a existência humana, sim. ele estudou o psiquismo até surtar e voltar a a realidade. ele é um especialista nessa porra toda. mas a resposta pro teu próprio recheio é você quem tem que dar. a cada dia, meu bem.
nessa brincadeira, vou dizer, acabei aprendendo um caminho. um que me disse que, com muito esforço, posso preencher o mundo de sentido e, por consequência, também minha própria vida fica preenchidinha. por que foi esse o caminho? possivel culpar minha raiz judaica recheada de culpa, minha cultura familiar intelectualoide, minha relação precoce com um pseudosocialismo ou uma coisinha chata que é minha mesmo, de ser otimista e responsável por todo o possível ótimo que vejo no futuro. difícil E inútil precisar culpados para essa amálgama que somos. o fato é que chego aqui sendo essa pessoa que chora com qualquer quebra de vínculo, mesmo a morte de um formiga, e que carrega um coleção de dores e enrijecimentos. viver é um esforço. ao menos pra mim. e pra minha testa que já deixa brotar rugas sem nem ter vivido três décadas.
e aí, nesse ponto em que minhas articulações e sinapses todas pedem uma vida sem esforço, que fazer? seguir sendo dura e dolorida ou encarar o vazio de viver sem me esforçar?