terça-feira, 1 de julho de 2014

viver é um esforço

nem todo mundo nasce com recheio. nem todo mundo consegue descobrir seu recheio sozinho. nem todo mundo é capaz de encontrar o que lhe recheie alí dentro de si mesmo. e, pra falar a verdade, se é que ela existe, provavelmente essa coisa de se rechear nunca acaba. um desgosto para os que esperam, mas acho que nunca chega o dia em que dizemos "pronto, me encontrei". e, se dizemos, mordemos a língua na sequência. sentir-se um pessoa inteira, duas-bandas-com-recheio-cremoso, não é uma tarefa findável (e que tarefa realmente importante é?). é construir, desconstruir, reconstruir, implodir, consertar, construir mais, reformar, construir uma novo andar a cada dia, trabalhar no acabamento, só para desconstruir tudo de novo no dia seguinte.
e, o pior: sem receita-de-bolo. a gente pode chacoalhar o analista e implorar, "me diga o que fazer". ele não vai dizer. se disser, ele não é, de fato, um analista. estes nunca te dizem o que fazer- não dá pra ignorar que o barbudinho era judeu e nós sempre respondemos com perguntas. mas, freudices a parte, se ele te dissesse o que fazer, sabe o que aconteceria? daria errado. ele saca a existência humana, sim. ele estudou o psiquismo até surtar e voltar a a realidade. ele é um especialista nessa porra toda. mas a resposta pro teu próprio recheio é você quem tem que dar. a cada dia, meu bem.
nessa brincadeira, vou dizer, acabei aprendendo um caminho. um que me disse que, com muito esforço, posso preencher o mundo de sentido e, por consequência, também minha própria vida fica preenchidinha. por que foi esse o caminho? possivel culpar minha raiz judaica recheada de culpa, minha cultura familiar intelectualoide, minha relação precoce com um pseudosocialismo ou uma coisinha chata que é minha mesmo, de ser otimista e responsável por todo o possível ótimo que vejo no futuro. difícil E inútil precisar culpados para essa amálgama que somos. o fato é que chego aqui sendo essa pessoa que chora com qualquer quebra de vínculo, mesmo a morte de um formiga, e que carrega um coleção de dores e enrijecimentos. viver é um esforço. ao menos pra mim. e pra minha testa que já deixa brotar rugas sem nem ter vivido três décadas.
e aí, nesse ponto em que minhas articulações e sinapses todas pedem uma vida sem esforço, que fazer? seguir sendo dura e dolorida ou encarar o vazio de viver sem me esforçar?

Um comentário:

Anônimo disse...

"I learned that the story has no beginning, and no story has an end. That the story is all muddle, all middle. That the story is never true, but that the lie is indeed a child of silence." --Ursula K LeGuin